Pesquisar este blog

sábado, 17 de novembro de 2012

A Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal*

* Realizada pelo LASSBio® / UFRJ desde 1995.

     Esta postagem tratará de documentar, ainda que de forma sumarizada, a história da Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal (EVQFM) que em 2013 chegará à sua décima nona edição, ininterrupta desde 1995. Trata-se de registrar a motivação e criação desta atividade de extensão, iniciada em 1995, pelo Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBioR, www.farmacia.ufrj.br/lassbio) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que visa atualizar ou reciclar os conhecimentos em uma disciplina essencial ao completo conhecimento dos efeitos dos fármacos e medicamentos.

 
Preâmbulo – O surgimento da Química Farmacêutica Medicinal
      Cabe neste início relembrar as origens da Química Farmacêutica Medicinal e sua missão definida anos após pelo Subcommittee on Medicinal Chemistry and Drug Development da Chemistry and Human Health Division (VII) da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC)[1] como: a disciplina que estuda os aspectos relacionados à descoberta, invenção e preparação de substâncias bioativas,de interesse terapêutico, e os fatores moleculares do modo de ação dos fármacos, incluindo a compreensão da relação entre a estrutura química e a atividade (REA ou SAR) terapêutica, absorção, distribuição, metabolismo, eliminação e toxicidade.
      Podemos dizer que a Química Farmacêutica Medicinal nasceu, em 1911, no Instituto Pasteur, mais precisamente no Laboratoire de Chimie Thérapeutique, criado por Ernest Fourneau, sob a direção de Emile Roux. Fundado com a missão de inventar substâncias de interesse terapêutico, neste laboratório Fourneau contou com a colaboração de eminentes cientistas da época como Jacques Tréfouël (1897-1977) e sua esposa Théreze Tréfouël (1892-1978), além de Germaine Benoit (1901-1983), Federico Nitti (1903-1947) e Daniel Bovet (1907-1992), que veio a ganhar o prêmio Nobel de Medicina em 1957 pelo conjunto de seu trabalho realizado com as sulfonamidas, anti-histamínicos e também com o curare. Data desta época, o primeiro trabalho científico que pode ser considerado como tratando da relação entre a estrutura química e a atividade, precisamente em derivados do curare amazônico, estudado por Bovet.[2] Neste laboratório, que se tornou referência da disciplina, foi descoberto o stovarsol (TreparsolR, CAS 97-44-9) como um poderoso agente anti-sífilis. Esta substância contém em sua estrutura um átomo de arsênio oxigenado copiando o fósforo da mesma coluna da Tabela Periódica. Ademais, possui também um grupo N-acetila de uma unidade orto-aminofenol comprovando a tendência à acetilação, então em moda na química orgânica preparativa da época.[3] Curiosamente, à mesma época em que Bovet recebia a honraria máxima em Ciência, o Professor Alfred Burger, da Universidade da Virginia nos Estados Unidos, fundava pela American Chemical Society o atual Journal of Medicinal Chemistry, prestigioso periódico científico da área que surge com a denominação de Pharmaceutical Chemistry Journal, em 1958. O Professor Burger foi o idealizador do livro “Principles of Medicinal Chemistry”, publicado em sua primeira edição neste período e tratando pioneiramente os aspectos moleculares dos fármacos por classe terapêutica. Da combinação das duas escolas, europeia e americana, surge a denominação Química Farmacêutica ou Química Medicinal que no nosso país ficou sendo denominada Química Farmacêutica Medicinal, depois da publicação da “Carta de Goiânia”, elaborada no VII Encontro Nacional de Professores de Química Farmacêutica, realizado na Universidade Federal de Goiás. Considero que nossa denominação para esta importante disciplina das Ciências Farmacêuticas é a mais adequada por representar mais fielmente sua origem.

 

A Escola de Verão em  Química Farmacêutica Medicinal (EVQFM)
 
       Após estes dados históricos iniciais, podemos introduzir os fatores que nos motivaram a criar a Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal, em 1995, no LASSBio da Faculdade de Farmácia da UFRJ. Há muitos anos antes, por volta de 1970, havia sido oferecida pelo Departamento de Química da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, organizada pelo saudoso Professor Otto Richard Gottlieb (1920-2011) um evento denominado Escola de Verão em Química Orgânica. Nesta Escola, que tive o privilégio de participar, às vésperas da conclusão de meu mestrado, em 1973, tinha duas semanas de duração e participaram estudantes, de graduação ou de pós-graduação, com aulas sobre temas específicos, ministradas por especialistas nacionais e internacionais. Por sua localização geográfica, em Serpédica, RJ, a permanência nas dependências da UFRRJ propiciava aos participantes, contato em tempo integral, o que contribuía para aproximação dos professores com os estudantes. Esta iniciativa foi depois implantada, em 1981, no Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), catalisada pelo saudoso Professor José Tércio Barbosa Ferreira (1952-1997), que também cursou a Escola de Verão em Química Orgânica da UFRRJ e foi colega do narrador no mesmo departamento onde este atuou após seu doutoramento, no período de 1980 e 1984, quando foi criado o curso de pós-graduação em Química Orgânica da UFSCar.
      O inconteste sucesso das Escolas de Verão em Química Orgânica, em dois momentos distintos, reafirmava sua importância e, por isso, após ingressarmos na Faculdade de Farmácia da UFRJ decidimos reeditar esta iniciativa desta feita voltada para a Química Farmacêutica Medicinal, aproveitando, de um lado o apelo da Cidade Maravilhosa no período de verão e o ócio acadêmico deste período do ano, quando as dependências físicas das IFES ficam subutilizados, durante as férias. Assim que, organizamos, durante o segundo semestre de 1994, a primeira edição da Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal que ocorreu em janeiro de 1995, já com um formato semelhante ao atual, tendo como missão atualizar e capacitar estudantes de graduação e pós-graduação, assim como profissionais e pós-doutores em temas clássicos e modernos da Química Farmacêutica Medicinal através da oferta de cursos de curta duração, conferências de especialistas nacionais e estrangeiros, além de divulgação dos aspectos mais recentes da disciplina.
       Na figura a seguir está uma cópia do memorando original enviado pelo coordenador à Direção da Faculdade de Farmácia da UFRJ, solicitando o encaminhamento de pedido de apoio financeiro à Fundação Universitária José Bonifácio e informando a criação da EVQFM que contou com o apoio do III Encontro Nacional de Professores de Química Farmacêutica realizado nas dependências da Faculdade de Farmácia da UFMG na avenida Olegário Maciel, em Belo Horizonte, MG.[4]





       Desde aquela época até hoje, decorridos 19 anos, a EVQFM foi oferecida ininterruptamente propiciando a mais de 2200 participantes, nacionais ou não, estudantes de graduação e pós-graduação além de profissionais de diferentes profissões e pós-doutores, oportunidade de atualização com temas clássicos e modernos da Química Farmacêutica Medicinal. O sucesso desta iniciativa pode ser constatado pelos inúmeros profissionais que por adotarem a Química Medicinal, tornaram-se expoentes em suas atividades de docência, de pesquisa e outras relacionadas. Passaram pela EVQFM nestas quase 19 edições mais de 50 pesquisadores internacionais renomados, dentre os quais alguns “descobridores de fármacos” como Robin Ganellin (SK&F), inventor da cimetidina em 1975; Simon Campbell (Pfizer), inventor do sildenafil, em 1991; alem de Jean Cumps (Université de Louvain), Hugo Kubinyi (BASF), Antonio Monge (Universidad de Navarra), Camille Wermuth (Université Louis Pasteur), Mitch A Avery (University of Mississippi), Paul Leeson (Astra-Zeneca), Andy E Greene (Université Joseph Fourrier), Janos Fischer (Gideon), Hugo Cerecetto (Universidad de La Republica) dentre muitos outros.
 
 

 Espero que esta leitura tenha sido prazeirosa e que possa ter sido registro, ainda que breve, da história da Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal que terá sua 19ª edição no período de 18-22 de março de 2013 e para maiores informações sobre esta edição consultem: http://www.farmacia.ufrj.br/lassbio/xix_evqfm
 
Obrigado por lerem.
 
[1] Vide a postagem de 19/02 do corrente “Sobre as moléculas dos fármacos: os acetatos famosos”.
[2] A Editora da UNB publicou o livro “Vitórias da Química – Daniel Bovet”, que descreve a trajetória científica deste pioneiro da Química Farmacêutica Medicinal.

[3] Descrita em Eur. J. Med. Chem., 31, 747 (1996) e depois comentada em: a) C. R. Ganellin et al., Eur. J. Med. Chem. 35, 163 (2000);  b) A Monge et al., Eur. J. Med. Chem., 35, 1121, (2000)

[4] Cabe mencionar que o primeiro Encontro Nacional de Professores de Química Farmacêutica foi organizado pelo saudoso Professor Andrejus Korolkovas, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, SP, em 1975.



terça-feira, 25 de setembro de 2012

As longas pernas do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBio®)

INTRÓITO

          Há de se esclarecer, de início, o porquê do título, pois pode sugerir muitas interpretações quando se trata, de fato, de uma metáfora para contar a história do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBio®), na perspectiva de seu fundador. Este narrador.
            Este breve relato histórico exige, para seu completo entendimento, um preâmbulo capaz de situar a o contexto cronológico da narrativa e quebra a série anterior que voltaremos a descrever depois. O narrador evitará mencionar nomes exceto quando a contribuição da pessoa tenha sido de fato significativa em determinado momento da trajetória histórica do LASSBio®, mas que fique bem esclarecido, que todos aqueles e aquelas que contribuíram para com o acervo de conhecimento científico novo criado pelo LASSBio® e registrado resultando em inúmeros documentos científicos públicos - dissertações, teses e publicações - mesmo que não mencionados são importantes atores desta história e na qualidade de Coordenador Científico do LASSBio® o narrador registra seu reconhecimento.
 
PREÂMBULO INICIAL

          Em 1974, inicia-se a construção do que viria a ser vinte anos depois o LASSBio®.  A data de 19 de abril de 1994 é aquela da criação do LASSBio® no então Departamento de Tecnologia Farmacêutica (DTF) da Faculdade de Farmácia (FF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As condições que propiciaram esta criação, entretanto, não surgem do acaso, nem da mera decisão de fazê-lo, surgida na cabeça de algum ser iluminado. Muito pelo contrário! Iniciaram-se vinte anos antes, quando seu idealizador, este narrador, começa, na Université Scientifique et Médicale (USMG) de Grenoble, França, sob a orientação científica do saudoso Professor Pierre Crabbé (Figura 1), na condição de bolsista de doutoramento do então Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq)[1] - que alguns poucos meses depois passa a chamar-se Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Naquela universidade, nascida em 1339, vivemos um aprendizado científico profícuo e intenso de cotidiano bastante construtivo e dinâmico.
Durante os quatro anos de treinamento doutoral que culminaram com a obtenção do título de Docteur-Ès-Sciences d´État, em 23 de junho de 1978, com a defesa da Tese intitulada Synthèse de Nouvelles 11-Deoxy-Prostaglandines: Voie de l'alfa-tropolone, que foi aprovada pela banca examinadora composta pelos Professores Pierre Crabbé, na condição de orientador, Charles Jeffort (Université de Géneve, Suiça), Claude Béguin (USMG), Cuong Lu-Duc (USMG) e Francis Rouessac (Université de Le Mans). Durante este doutoramento, que viria a render 9 publicações descrevendo resultados científicos expressivos em revistas científicas indexadas,[2] forma-se a percepção das condições intelectuais e materiais necessárias e essenciais à realização da atividade de pesquisa científica ética e conduzida pela meritocracia, na área da Química Medicinal, principal vertente do Centre d´Études et Recherche sur Macromolecules Organisées (CERMO), onde atuava o Professor Crabbé e que veio a inspirar e nortear as atividades do LASSBio®, anos depois.
O saudoso Professor Pierre Crabbé

O INÍCIO



            Ao retornar ao País, em agosto de 1978, e ter tido uma breve passagem pela UFRJ, como pesquisador-docente, em 1979, no NPPN convidado pelo saudoso Professor Walter Mors, seu então diretor e mantido por projetos administrados pela FUJB, época em que sugerimos a estudantes o nome de alguns laboratórios na França para a realização de estágios na área da Farmacologia, assumimos o cargo de Professor Adjunto no Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos, onde passamos os próximos 4 anos, contribuindo para a criação do primeiro Programa de Pós-Graduação em Química daquela instituição. Ao retornar à UFRJ, em cargo equivalente, obtido por concurso público de provas e títulos, em 24 de maio de 1984, iniciamos a materialização do sonho da criação do LASSBio®. Almejávamos criar no Brasil um grupo de pesquisas de excelência, capaz de ter reconhecimento internacional em área totalmente incipiente das Ciências Farmacêuticas, como o era a Química Farmacêutica ou Química Medicinal ou ainda, como veio a ser denominada mais recentemente, Química Farmacêutica Medicinal. Cedo percebemos qual seria a condição essencial para a concretização e realização deste projeto: muito trabalho! mais trabalho! e, finalmente, mais trabalho, ainda! Além do mais, estava óbvio que seria necessário o suporte e o apoio de parceiros inteiramente comprometidos com o projeto, capazes de responderem ao desafio imposto com a força de trabalho suficiente, no tempo adequado. Para tanto algumas qualidades e alguns valores nos pareciam ser indispensáveis além da ética: tenacidade, para perseguir o objetivo maior sem nenhuma concessão aos princípios do mérito científico, valor inegociável, assim como a lealdade, que permitiriam que todos contribuíssem com o mesmo esforço e de forma mensurável comparativamente. Desta forma, estaríamos prontos para dar os primeiros passos que deviam ser largos, nesta longa e árdua caminhada.
          Em agosto de 1986, fomos aprovados em primeiro lugar em concurso público de provas e títulos para o cargo de Professor Titular do DTF da FF da UFRJ. A banca examinadora era composta pelos professores Andrejus Korolkovas (USP), Elfrides Schapoval (UFRGS), Fernando Stelle da Cruz (UFRJ), Fernando Ubatuba (UnB) e Guilherme Kurtz (UFRJ). Ao responder a uma determinada pergunta da Banca Examinadora na prova de Memorial, sobre a ausência de resultados biológicos para as inúmeras substâncias bioativas descritas na Tese de Titular, muitas análogas estruturais de fármacos anti-inflamatórios clássicos e outras tantas análogas às prostaglandinas, tromboxanas e prostaciclinas, o narrador descreveu seus esforços iniciais para aproximação com farmacologistas. Estes esforços foram iniciados em 1979, em colaborações científicas com o Professor Antonio José Lapa, então na equipe do Professor José Ribeiro do Vale na Escola Paulista de Medicina e com o Professor João Batista Calixto, então recém ingresso na Universidade Federal de Santa Catarina. Esta aproximação interdisciplinar foi bastante proveitosa, embora os resultados científicos não tivessem sido excelentes, pois as substâncias então ensaiadas mostraram-se pouco potentes, nas concentrações estudadas. A primeira lição importante aprendida e que denominamos "efeito porta ao lado", significava a necessidade da proximidade física entre as equipes de pesquisas dos especialistas da Química Medicinal e da Farmacologia. A capacidade de diálogo ágil entre estes pesquisadores de áreas distintas e complementares, essenciais aos objetivos propostos para a atuação do LASSBio®, teria de ser um dos objetivos imediatos a serem alcançados para o sucesso de um laboratório de Química Medicinal.
          Assim que, empossados no cargo de Professor Titular do DTF, reiniciamos diversas orientações de pós-graduandos, algumas pelo, então Programa de Química Orgânica do Instituto de Química e atual Programa de Pós-Graduação em Química onde somos orientador credenciado desde 1978. Cabe menção a orientação do Sr Antonio Carlos Carreira Freitas, que já ocupava o cargo de Professor Assistente no DTF e quem trabalhou, inicialmente, com a síntese de novas hidrazonas potencialmente biotivas . Os títulos dos projetos de pesquisa e das dissertações e teses orientadas àquela época tinham, não raramente, as palavras "potencialmente ativos", pois não havíamos ainda encontrado, de forma adequada, a maneira de sensibilizarmos os colegas farmacologistas a se integrarem aos projetos de pesquisa em andamento, viabilizando a aproximação da Química Medicinal e da Farmacologia. Nesta época, aparece o Sr Anibal de Lima Pereira, farmacêutico formado na FF-UFRJ e ex-orientado de mestrado do narrador, pelo Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN), que se tornara Professor Assistente de Química Farmacêutica no DTF e realizava seu doutoramento pelo mesmo NPPN, sob a orientação do saudoso Professor Roderick Barnes. Foi com a ajuda do saudoso Anibal que convencemos o Corpo Deliberativo do então DTF a conceder o laboratório até então destinado às atividades da Professora Iolanda Rovigatti da Silva Jardim, que aposentada, não mais o utilizava, para que realizássemos nas dependências daquele departamento e não mais nos laboratórios do NPPN, nossas atividades de pesquisa. Nasce assim o primeiro cm2 do que viria a ser o LASSBio®. Na área do laboratório apenas havia um aparelho de ponto de fusão Kofler, com defeito, e foi com o trabalho dedicado e tenaz de Anibal e de duas estudantes de Farmácia (Ana Paola Lo Surdo e Rosângela de Almeida Epifânio), que aceitaram estagiar no laboratório naquelas condições e contribuíram para se ter as condições mínimas de trabalho em síntese orgânica, utilizando material e pequenos equipamentos adquirido pelo narrador em projetos aprovados pelo CNPq quando de sua permanência na UFSCar e que foram trazidos à UFRJ, em viatura particular, com a anuência documentada do DQ daquela Universidade. Neste momento estavam criadas as condições para implantar-se a atividade de pesquisa científica no DTF. Vários relatos poderiam ilustrar a nova fase do DTF da FF a partir desta iniciativa, que culminou com a criação do LASSBio®. A título de ilustração cabe mencionar que foram nas paredes do DTF no bloco B, subsolo, que se iniciou a tradição de afixar os painéis após sua apresentação em congressos científicos, numa forma de relatório mural das atividades de pesquisa ali realizadas. 
 
O laboratório em seus primórdios (à esquerda) e atual, após permuta de espaço físico com a saudosa Professora Maria Tereza Loureiro Lima.

          Naquela época tinha o DTF, assim como outros departamentos da unidade, salas no segundo andar do bloco A do CCS, destinadas a secretaria administrativa, o que não havia sido concretizado até este momento. Com a anuência e o apoio da Chefia do DTF, na pessoa da saudosa Professora Alice Pereira Matos, passamos a ocupar parte desta área ociosa do bloco A como gabinete. Esta área era utilizada apenas para a guarda de material didático e bibliográfico, antigo, herdado pelo DTF de outros docentes e que estavam sob a guarda do Professor Levi Gomes Ferreira, então Diretor da Unidade. A sala 52 do segundo andar do bloco A do CCS, foi adaptada para ser o gabinete de trabalho do narrador que depois ganhou a configuração atual, num outro local do mesmo corredor do bloco A. Àquela época o DTF adotava uma ampla sala como “sala de professores”, comum a todos os docentes de todas as disciplinas sob sua responsabilidade, sem gabinetes personalizados ou compartilhados. Este era o formato adotado em escolas de segundo grau como a Escola Normal, por exemplo.
            Nesta época, por sugestão de Antonio Carlos e Anibal viemos a convidar um professor recém aposentado da Escola de Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Ézio Tiff, farmacologista que aceita o convite para implantar, no DTF, em área física ociosa da então disciplina de Controle Químico de Qualidade, em condições bastante precárias, o primeiros bioensaios, em animais. Esta iniciativa foi a precursora da implantação dos bioensaios in vivo no futuro LASSBio®. As dificuldades eram enormes, mas Ézio aceitou o desafio e graças a estes três personagens, autênticos pioneiros, surgiram as condições que viabilizaram a criação do LASSBio®, alguns anos após dando a configuração de sua área física atual. Data desta época, a percepção da necessidade de implantar-se no DTF, espaço dedicado a criação de animais de laboratório. Neste sentido, gestões feitas pelo narrador, junto ao então Departamento de Anatomia, viabilizou o espaço do que era o elevador de cadáveres, então desativado, para a implantação do biotério do futuro LASSBio®, no final do corredor do subsolo do bloco B do CCS da UFRJ. Mais ou menos nesta mesma época, enquanto na Chefia do DTF, o narrador viabiliza a criação de uma vaga para concurso público de provas e títulos com apoio do Corpo Deliberativo Departamental e a direciona para a disciplina de Controle Biológico e Microbiológico o que viabiliza o ingresso da Professora Ana Luisa Miranda, a quem já havia convidado para associar-se ao DTF, enquanto validava na UFRJ seu diploma de doutoramento, obtido em Toulouse pelo Institut National Polytechnique, em 1986, aonde foi orientada pelo Professor Pham Huu Chanh, pesquisador indicado, anos antes, pelo narrador.
O DESENHO ATUAL
          Em várias reuniões do CD do DTF foram discutidas as necessidades de organizarem-se a força de trabalho de todos os docentes com interesse afins, de maneira mais convergente e racional, aumentando nossa competitividade em editais das agências de financiamento. Após numerosas reuniões específicas e muito estimulados pelos mesmos personagens mencionados acima, decidimos pela criação do LASSBio®, com uma conformação de pessoal bastante ampliada, pois a maioria dos docentes do DTF, fora da área de Controle Químico de Qualidade, com interesse comuns em atividades de pesquisa, foram convidados a participarem e passaram a integrar o LASSBio® em seus primórdios. Nesta época detectou-se a necessidade de termos uma logomarca e com o apoio de um estudante de mestrado, Sr André Luis de Almeida Reis, e de desenhista de seu conhecimento, após uma árdua seleção foi escolhido o logo do LASSBio®, que hoje é uma marca registrada, por iniciativa do narrador. Naquela época os recursos do DTF estavam escassos e os custos foram integralmente assumidos pelo narrador. Estava criado o LASSBio® e a data deste início é aquela mencionada: 19 de abril de 1994, dez anos depois do retorno do narrador à UFRJ.
          Há de ser registrado que a esta época já havia sido publicado o primeiro trabalho conjugando os esforços de pesquisa da Química Medicinal, tal qual concebida no LASSBio®, e da farmacologia, envolvendo uma mestranda orientada pelo Professor Nuno Álvares Pereira, do então Departamento de Farmacologia Básica e Clínica do ICB, a Srta Edna Fátima Rezende Pereira, que estudava algumas substâncias sintetizadas no futuro LASSBio, pelo mestrando Marco Edilson Freire de Lima, orientado pelo narrador, a partir do safrol, produto natural abundante do óleo de Sassafras (Ocotea pretiososa),  como novos análogos do fármaco anti-inflamatório sulindaco. Em 1989, publicou-se os resultados farmacológicos obtidos pela Edna no Brazilian Journal of Medical and Biological Research,[3] sendo esta publicação o marco zero do sucesso da aproximação da Química Medicinal e da Farmacologia, que caracterizam o LASSBio® desde seu início e que anos após resultou na reformulação do programa de pós-graduação daquele Departamento no primeiro programa de pós-graduação multidisciplinar em Farmacologia e Química Medicinal na América Latina, reconhecido pela CAPES, em 2006.
Logo do LASSBio
 
 
 
          Nos idos de 1990, contava a disciplina de Química Farmacêutica do DTF com a participação do docente Joaquim Fernando Mendes da Silva, que se colocou em vaga de concurso público de provas e títulos para Professor Assistente de Química Farmacêutica, superando seu concorrente, o Sr Carlos Alberto Manssour Fraga, orientado de mestrado do narrador, em 1991. O Sr Manssour ficou no DTF executando projeto de pesquisa que viria a ser sua tese de Doutoramento defendida pelo IQ-UFRJ, em 1994. Algum tempo após, concursado numa nova vaga foi aprovado e tornou-se Professor Adjunto da disciplina de Química Farmacêutica do DTF, atuando no LASSBio®. Até tomar posse na vaga em que foi aprovado, aguardando que cessasse as limitações de contratações de servidores públicos de todas as categorias, impostas pelo governo do presidente Collor de Mello, Manssour ficou como bolsista de pós-doutoramento da FAPERJ, desenvolvendo projeto de pesquisa em associação com a Faculdade de Farmácia da UFF, coordenado pelo Dr Antonio Carlos C. Freitas, docente também daquela IFES.           
          Na época, dispunha o DTF, no subsolo do bloco B do CCS, de uma ampla sala de professores, já mencionada, que tinha como anexo um espaço de copa, onde trabalhava a saudosa Dona Otília. Com a separação do DTF, em DeFar e DeMed, por esta época, e consequente remanejamento do espaço físico disponível nas áreas comuns, reivindica o narrador, para o LASSBio®, o espaço correspondente à antiga copa do DTF para implantar a sala do professor Manssour, recém concursado e que até então compartilhava, por absoluta falta de espaço físico no LASSBio®, a sala dos estudantes, em sua versão original de tamanho reduzido, e também acomodar o setor de modelagem computacional do LASSBio®, que se iniciava e onde desenvolvia-se diversas dissertações e teses além de estágios de IC. Cabe menção ao papel pioneiro nesta área de trabalho do LASSBio® do então futuro doutor Carlos Maurício Rabello Sant´Anna, atualmente Professor Associado do Departamento de Química Orgânica (DQO) do IQ da UFRRJ que, orientado pelo Professor Ricardo Bicca de Alencastro do IQ, realizou estudos de modelagem com análogos do fator de agregação plaquetária (PAF), tema de interesse do LASSBio®. Foi Maurício, na qualidade de doutorando, coorientado pelo narrador, quem implantou, na prática, os trabalhos de modelagem do LASSBio®, sempre com o apoio irrestrito do Professor Bicca e também do Professor Claúdio Costa Neto que viabilizou o uso de equipamentos sob sua responsabilidade na execução de vários dos projetos iniciais do LASSBio® nesta área. Foi nesta área de trabalho que vários outros estudantes concluíram suas dissertações e teses, posteriormente, utilizando a mesma área física. Algum tempo após, a modelagem molecular do LASSBio® foi transferida para uma sala do bloco B, primeiro piso, necessária à acomodação das novas estações de trabalho da Silicon Graphics, adquiridas com recursos obtidos no primeiro edital do projeto Pronex, coordenado pelo Professor Édson Xavier Albuquerque do Departamento de Farmacologia Básica e Clínica (DFBC) do ICB, tendo o LASSBio® participado como integrante deste projeto e sendo o narrador seu vice-coordenador. Esta sala resultou do redimensionamento de salas de aula do bloco B e foi cedida pela Decania do CCS na gestão do saudoso Professor João Ferreira da Rocha, sensível às limitações de espaço físico do LASSBio®, agravadas pela chegada da nova docente concursada, Professora Lidia Moreira Lima, orientada de doutoramento do narrador, que tendo concluído sua tese pelo IQ da UFRJ em 2001, passa a integrar a disciplina de Química Farmacêutica após aprovação em concurso para o cargo de Professor Adjunto. Assim que, a então sala de modelagem e também gabinete do Professor Manssour, foi redesenhada para acomodar os docentes atuantes no LASSBio®, viabilizando a os gabinetes dos Professores Manssour, Ana Luisa e Lidia, neste espaço.
          O projeto Pronex trouxe excelentes benefícios ao LASSBio®, pois, se de um lado viabilizou a implantação do setor de modelagem molecular, também contribui de foma marcante para a efetiva aproximação de alguns docentes do LASSBio® com vários colegas, produtivos, do então DFBC do ICB. Esta aproximação veio, posteriormente, compor a equipe interdisciplinar que caracteriza o trabalho de pesquisa feito no LASSBio®, agregando a Química Medicinal e a Farmacologia, e que foi fator decisivo na conquista de importante projeto representando pelo Instituto do Milênio em Fármacos e Medicamentos (IM-INOFAR), coordenado pelo narrador, que associou-se ao Instituto Virtual de Fármacos (IVFRJ), apoiado pela FAPERJ, embrião do atual Portal dos Fármacos. Ambos, IM-INOFAR e IVFRJ representavam os principais projetos de interesse do LASSBio®, à época. O IM-INOFAR foi o embrião do atual Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Fármacos e Medicamentos (INCT-INOFAR) do qual o LASSBio®-CCS-UFRJ é a sede e que por sua natureza transversal no âmbito do CCS, teve sua administração instalada no bloco K do CCS. Este projeto representa uma rede nacional/internacional de pesquisa para a inovação radical e incremental em fármacos e medicamentos, contribuindo para nossa capacitação neste importante setor das Ciências Farmacêuticas.

CONCUSÃO

          Pela trajetória percorrida de pernas longas e documentada brevemente aqui, tornou-se o LASSBio® importante referência nacional e internacional da Química Medicinal, formando quadros qualificados de mais de uma centena de pós-graduados, doutores e mestres, além de outros tantos IC´s.  Seus egressos, pós-graduados, em sua esmagadora maioria, ocupam hoje posições científicas de destaque em diversas instituições de ensino e pesquisa no País e no exterior.
          O sucesso do LASSBio® não foi alcançado de graça, muito pelo contrário. Foi conquistado com muito esforço, tenacidade e trabalho, de muitos, em diversos momentos e níveis, sendo cada um, artífice responsável pelo que representa o LASSBio® hoje no panorama da Ciência do estado do Rio de Janeiro e do Brasil.
Composição do LASSBio
Professores:
Prof Eliezer J. Barreiro (Coordenador Científico; http://lattes.cnpq.br/5942068988379022)
Prof. Carlos Alberto M Fraga (http://lattes.cnpq.br/9782159937151139)
Profa Dra Lidia Moreira Lima (http://lattes.cnpq.br/3986190995983234)
Prof. Carlos Maurício Rabello de Sant’Anna (http://lattes.cnpq.br/2087099684752643)
Prof. Hélio de Mattos Alves (http://lattes.cnpq.br/4628603485418322)
Profa. Aloa Machado de Souza (http://lattes.cnpq.br/9178624520736756)

[1] Bolsista de doutoramento do CNPq de agosto de 1974 até julho de 1978.
[2] 1.E. J. BARREIRO, J.-L. Luche, J. Zweig e P. Crabbé, "Reactions of Aldehydes with Lithium Dimethylcopper", Tetrahedron Letters, 2353-2354 (1975); 2. E. J. B ARREIRO, J. Zweig, J.-L. Luche e P. Crabbé, "Asymmetric Induction in Addition of Organocuprates", Tetrahedron Letters, 2355-2358 (1975); 3. E. J. BARREIRO, J.-L. Luche, J.-M. Dollat e P. Crabbé, "Formation of Allenes by Reaction of Lithium Diorganocuprates on Propargylic Acetates - A Mechanistic Approach", Tetrahedron Letters, 46l5-46l8 (1975); 4. E. J.  BARREIRO, P. Crabbé, J.-M. Dollat e J.-L. Luche, "Controlled Formation of Allenes with Organocuprates", Journal of the Chemical Society, Chemical Communications, 183-184 (1976); 5. P. Crabbé, E. J. BARREIRO, A. Cruz, J.-P. Depres, M. C. Meane e A. E. Greene, "New Synthesis of Prostaglandins", Heterocycles, 5, 725-746 (1976); 6. P. Crabbé, E. J. BARREIRO, H. Sook, A. Cruz, J.-P. Depres, G. Gagnaire, M. C. Meana A. Padilla e L. Williams, "Voies Nouvelles en Synthese de Prostaglandines", Bulletin des Societes Chimiques Belges, 86, 109-124 (1977); 7. A. E. Greene, P. Crabbé, E.J. BARREIRO, R. Baudouy, A. Cruz, J.-P. Depres, C. le Drian, H. Nagano e A. F. Orr, "The Use of Cicyclo (3.2.0) heptanones in the Synthesis of Natural Products and Modified Natural Products", Acta Pharmaceutica Suecia (Supl.), 14, 26 (1977); 8. P. Barret, E.  J. BARREIRO, A. E. Greene, J.-L. Luche, M. A. Teixeira e P. Crabbé, "Synthesis of New Allenic Prostanoids", Tetrahedron, 32, 2931-2939 (1979); 9. A. E. Greene, M. A. Teixeira, E. J. BARREIRO, P. Crabbé e A. Cruz, "The Total Synthesis of Prostaglandins by the Tropolone Route", Journal of Organic Chemistry, 47, 2553-2564 (1982).
[3] E. F. R. Pereira, N. A. Pereira, M. E. F. Lima, F. A. S. Coelho, E. J. BARREIRO, "Antiinflammatory properties of New Bioisostere of Indomethacin", Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 22, 1415-1419 (1989).

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (Parte XIV)


Entramos na décima quarta parte da Linha do Tempo da Química Medicinal e atingimos nesta descrição cronológica, o século atual. A figura abaixo ilustra os fármacos que elegemos para exemplificar estas descobertas/invenções nesta primeira década deste novo século XXI, ano a ano, a partir de 2001. 
            O critério adotado para a seleção destes exemplos anuais de inovações farmacêuticas recentes fundamentou-se na leitura cuidadosa da seção Market to Market do Annual Reports of Medicinal Chemistry, publicado pela Divisão de Química Medicinal da American Chemical Society, da qual o autor é membro, onde são descritos os novos fármacos e biofármacos, de todas as classes terapêuticas, aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA), agência regulatória dos EUA. Foram selecionados, a cada ano do período indicado, os fármacos que consideramos verdadeiramente inovadores, seja por representarem um novo mecanismo farmacológico de ação para o tratamento de patologias que já dispomos de medicamentos, ou pelas características estruturais originais ou, ainda, ambos, além daqueles que poderiam ser considerados medicamentos órfãos. Evidentemente que fosse o autor outra pessoa, as escolhas variariam um pouco. Os números em negrito na Figura, indicam o total de fármacos descritos em cada volume do Annual Reports of Medicinal Chemistry na seção Market to Market.
 
Os onze fármacos selecionados (Figura acima) têm indicações terapêuticas variadas, indo do tratamento do câncer (3) à dor neuropática, passando pelo sistema nervoso central (2) e cardiovascular (2), além de indicações para controle da diabetes, esclerose múltipla e tratamento da AIDS. Destes apenas um não foi lançado no mercado no ano indicado, mas foi incluído pela nova indicação terapêutica autorizada pelo FDA, no ano em que sua patente vencia no mercado norte-americano, o maior do mundo. Trata-se da risperidona (RisperdalR) que foi desenvolvido pela Janssen, em 1993, para tratamento da esquizofrenia e por atuar sobre receptores dopaminérgicos e serotoninérgicos acabou sendo classificado como um fármaco antipsicótico atípico. No ano indicado na Figura, 2003, a risperidona teve ampliada sua indicação terapêutica para o controle da desordem bipolar e do altísmo, doenças sem muitos recursos terapêuticos. O impacto destas novas indicações, nos motivaram a incluí-la nesta parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal, ilustrando uma situação menos comum da inovação farmacêutica. A risperidona e o aripripazola (AbilifyR), lançado em 2002, pela Bristol-Myers Squibb para tratamento de psicoses severas, representEsta am os dois fármacos neuroativos da Figura e têm em comum o perfil de ação multialvos. O primeiro fármaco da Figura, lançado em 2001, imatinibe (GlevecR), lançado pela Novartis como o primeiro anti-câncer atuando por um novo mecanismo de ação, ao nível da tirosina-quinases (TK’s) foi objeto da discussão da Parte XII desta  Linha do Tempo da Química Medicinal, onde se encontra também o erlotinibe (TarcevaR), lançado em 2004 pela Genetech e OSI Pharmaceuticals. Este inibidor de TK atua sobre os receptores do fator de crescimento da epiderme (EGFR) e ao nível da JK2 e tem tido indicação principal o tratamento do câncer de pulmão e do pâncreas. O erlotinibe tem em sua estrutura, além do padrão farmacofórico da classe, representado pela subunidade diarilamina, a presença de uma função relativamente pouco comum em fármacos, um alcino verdadeiro que está presente neste composto com natureza benzílica. Incluímos na Figura o ziconotido (PrialtR), lançado em 2005, como um exemplo de um fármaco peptídico de origem marinha que têm como indicação o tratamento da dor neuropática, representando por estas razões importante inovação terapêutica. Devido à sua natureza peptídica é administrado por via intratecal. Os fármacos representantes dos anos 2006-2011, cujas estruturas estão ilustradas na Figura abaixo, e.g. vorinostat (ZolynzaR), maraviroc (SelzentryR), rivaroxabano (XareltoR), saxaglipina (OnglyzaR), dabigatrano (PradaxaR) e fingolimod (GilenyaR), representam autênticas inovações terapêuticas por atuarem através de mecanismos farmacológicos originais ou recentemente descobertos. A história de alguns serão discutidas nas partes subsequentes desta Linha do Tempo da Química Medicinal.
 
Obrigado por ler.
 

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos - Parte XIII

     Entramos na décima terceira parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal e para dar sequência a essa descrição cronológica, atingimos o início do século atual. Embora tenhamos vivido sua primeira década sem muito nos apercebermos, observamos neste início de século a conquista de importantes fármacos, de distintas classes terapêuticas que enriqueceram sobremaneira nosso arsenal terapêutico. Ter-se um critério unânime e indiscutível, para elegermos as principais conquistas terapêuticas deste início de século, dignas de serem eleitas para tratarmos aqui não é tarefa possível, pois se mais de uma pessoa escolhesse os fármacos a serem discutidos como exemplos significativos das conquistas terapêuticas deste século XXI, poucos, creio, seriam aqueles que estariam em mais de uma das listas. Como agravante ainda teríamos o fato de que não houve neste período, nenhuma inovação terapêutica fantástica, embora, dentre os que selecionamos como representativos, encontrem-se alguns que podem ser classificados como inovações promissoras, capazes de estimularem futuros me-too´s por validarem novos alvos terapêuticos em diferentes classes.

Os fármacos que escolhemos para exemplificar as descobertas / invenções deste início de século, estão indicados na nova figura da Linha do Tempo da Química Medicinal, abaixo.

 
 
 
     Em 2002, surge o aripripazola (AbilifyR) lançado pela Bristol-Myers Squibb para tratamento de psicoses severas, incluindo a esquizofrenia. Este fármaco possui um padrão de ação multialvos, sendo ligante de receptores dopaminérgicos do subtipo D2, serotoninérgicos (5-HT2, 5-HT1A) e fracamente para adrenérgicos a1 e por isso mesmo apresenta excelente perfil de atividade. Para exemplificar um fármaco de origem marinha, elegemos o ziconotido (PrialtR), lançado em 2005,  que é um derivado modificado da w-conotoxina, desenvolvido por uma empresa start-up para controle da dor neuropática. Esta derivado sendo de natureza peptídica, exige administração intratecal, tendo sido o primeiro medicamento desta natureza com esta indicação terapêutica. Em 2008, o tratamento da AIDS ganha um importante aliado, representado pelo maraviroc (SelzentryR). Este novo medicamento é um derivado sintético desenvolvido nos laboratórios Pfizer, capaz de inibir a adesão do vírus HIV às células do hospedeiro, atuando como antagonista alostérico de receptor CCR5. Atuando por um novo mecanismo de ação que provoca mudanças conformacionais no receptor, alterando a capacidade da proteína viral gp120 de ligar corretamente para promover a fusão celular do vírus, o impacto deste fármaco no controle desta síndrome será bastante significativo, seja empregado isoladamente ou em associação a outros antivirais inibidores de transcriptase reversa ou de proteases virais. Em 2010, surge um novo inibidor da serino-protease trombina, o dabigatrano (PradaxaR) lançado pelos laboratórios Boehringer Ingelheim da Alemanha, que é um pró-fármaco com potentes propriedades anticoagulantes. Para concluir esta parte XIII desta Linha do Tempo da Química Medicinal, incluímos o fingolimode um fármaco com indicação para o tratamento da esclerose múltipla, lançado pela Novartis sob o nome fantasia de GilenyaR, que foi aprovado em 2011. Esta enfermidade representa uma doença autoimune que afeta mais de 2,5 milhões de pessoas no mundo provocando degeneração do SNC. Atuando por um novo mecanismo, como agonista de receptor da esfingosina-1-fosfato, este fármaco representa o primeiro medicamento de uso oral para o controle deste mal.
 

     Concluindo esta parte, estamos encerrando nossa Linha do Tempo da Química Medicinal referente às descobertas ou invenções terapêuticas que marcaram o período definido a partir do ácido acetilsalicílico (AAS) até uma inovação introduzida no mercado no ano de 2011, já ilustrando as inovações terapêuticas ocorridas no século XXI. Nas próximas partes desta Linha do Tempo da Química Medicinal aprofundaremos o processo de descoberta de cada fármaco aqui mencionado, para em seguida adotarmos sistemática mais livre, descrevendo algumas descobertas/invenções que consideramos marcantes na composição do arsenal terapêutico contemporâneo.
      Obrigado por ler.


 
 

terça-feira, 5 de junho de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos - Parte XII: Os tinibes

      Entramos na décima segunda parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal e chegamos ao final do século XX, quando a quimioterapia do câncer ganhou importantes fármacos, representados pelos inibidores de tirosina-quinases (TK´s) que representam, quiça, a última inovação terapêutica do século. São destes fármacos que vamos tratar nesta ocasião.
      A quimioterapia do câncer teve nos alcaloides bis-indólicos da Vinca (Catharanthus roseus (L.) G. Don.), vincristina (VCR) e vimblastina (VCB), um dos seus primeiros recursos. Estes fármacos, de origem natural, com propriedades antimitóticas, datam da década de 50 do século passado e foram objeto de estudos de diversos grupos de pesquisa, tendo sido isolados por Ralph Noble e Charles Beer da Universidade de Western Ontario, Canadá, que identificaram suas propriedades depressoras nas células brancas sanguíneas. Isolados das folhas e flores de Vinca, pequenos, mas vistosos arbustos, tiveram suas estruturas elucidadas pelo grupo de pesquisa do Professor Ernest Wenkert, químico austríaco trabalhando na Universidade de San Diego, EUA, mais ou menos na mesma época em que os primeiros aparelhos de ressonância magnética nuclear de hidrogênio ficaram acessíveis. Claro que nesta época em nada se comparavam a aqueles disponíveis nos dias de hoje, que os superam em ca. 400 vezes, em potência de campo. Estes produtos naturais foram inicialmente bioensaiados para o tratamento da diabetes, entretanto mostraram-se capazes de produzirem severa depressão na atividade da medula o que sugeriu sua eventual aplicação na terapia do câncer. Estudos subsequentes conduzidos por Gordon Svoboda nos laboratórios Eli Lilly, EUA, culminaram com seu lançamento na terapêutica em 1953, com indicação para o tratamento de leucemias e linfomas, inclusive em crianças, devido às propriedades antimitóticas e antitubulinícas destes compostos.
     Pode-se dizer que é na quimioterapia do câncer que encontramos um dos melhores exemplos da contribuição dos produtos naturais à terapêutica. Em parte, graças a um ambicioso programa do National Cancer Institute dos EUA, iniciado em 1960, visando a identificação de propriedades citotóxicas em diversas cepas celulares, de extratos vegetais, inicialmente obtidos junto ao Departamento de Agricultura norte-americano e posteriormente oriundos do mundo inteiro. As amostras eram estudadas no Research Triangle Park, na Carolina do Norte, EUA. Esta busca de novos padrões moleculares citotóxicos resultou alguns dos mais eficientes fármacos anti-câncer que integram nosso arsenal terapêutico contemporâneo como o paclitaxel, sesquiterpeno polifuncionalizado, de estrutura química inusitada, isolado de Taxus brevifolia por Monroe Wall e Mansukh Wani dos laboratórios do Triangle Research Park. A despeito de sua complexa estrutura química, foram descritas sínteses totais para este produto natural por Robert A Holton da Universidade da Florida e K C Nicolauo do Scripps, California em 1994, além daquela relatada por Samuel J Danishefsky da Universidade de Columbia, Nova Iorque, EUA, em 1996 e uma quarta por Paul A Wender, em 1977. Para coroar os esforços do grupo de pesquisa do Research Triangle Park, foi isolado, nos mesmos laboratórios, a camptotecina, alcaloide quinolínico de biossíntese mixta, que caracterizou-se por apresentar em sua estrutura pentaciclíca uma sub-unidade iridoidíca contida num anel alfa-hidróxilactona. Vale mencionar que ambos os produtos naturais que se tornaram fármacos, descobertos por Wall e Wani, possuíam estruturas químicas originais, com padrões moleculares inéditos e apresentaram novos mecanismos farmacológicos de ação, representando, em ambos os casos, autênticas inovações terapêuticas. Enquanto que o paclitaxel (TaxolR) mostrou-se um inibidor de tubulinas, a camptotecina, isolada de Campthoteca acuminata, foi o primeiro fármaco anticâncer a atuar como inibidor de topoisomerase-1. Além destas felizes coincidências, ambos compostos inspiraram outras substâncias, sintéticas ou hemi-sintéticas, que ampliaram o impacto terapêutico de suas descobertas. Desta forma o paclitaxel inspirou o docetaxel, cabazitaxel e ortataxel, sendo este último ativo por via oral, enquanto que a camptotecina levou aos derivados piridocarbazóis da classe dos tecanos (e.g. irinotecano e topotecano). Além destes produtos naturais vegetais, outros como os derivados da podofilotoxina, etoposido e tenoposido, completam os exemplos da importância dos produtos naturais na quimioterapia do câncer. Não se deve deixar de mencionar os derivados de origem microbiológica, representados por alguns antibióticos macrociclícos e mais recentemente pelas epotilonas A e B, isoladas de Sorangium cellulosium. Estes últimos produtos naturais são lactonas macrociclícas de 16 membros, que nas mãos dos químicos medicinais dos laboratórios Bristol Meyers-Squibb (BMS) levaram a ixabepilona (IxempraR), análogo macrociclíco que possui em substituição à função éster macrociclíco, de fácil hidrólise enzimática na biofase, uma função bioisostérica macrolactama, resistente às esterases, lançado no mercado em 2007.
A história dos tinibes se inicia nos idos dos anos 70, quando as quinases despertaram o interesse de inúmeros grupos de pesquisas, acadêmicos e industriais, como alvo terapêutico possível, para o tratamento de várias doenças. Após os estudos do genoma humano se identificam ca. 500 quinases. Estas enzimas representam importante família de enzimas fosforilantes, utilisando o ATP como reagente de fosforilação, que modulam importantes respostas celulares, ativando várias cascatas de sinalização. Em 1973, Janet Rowley e colaboradores determinam que a parte faltante do cromossomo 22 – cromossomo Filadélfia - tinha sido translocada para o cromossomo 9, em pacientes com leucemia mielóide crônica (CML). Em anos seguintes, foi estabelecido que um gene de cada cromossomo (Bcr no cromossomo 22 e Abl no cromossomo 9), fundiam-se para formar um novo gene Bcr-ABl que produzia uma proteína que provocava a CML. Deve-se aos trabalhos de David Baltimore, Massachusetts, EUA, que identifica a natureza desta proteína como sendo uma quinase. Alguns especialistas estimam que ca. 25% dos projetos de pesquisa em novos fármacos no mundo tenham estas proteínas como alvos terapêuticos. Na classe das quinases encontram-se as tirosinas-quinases (TKs), que promovem a fosforilação de proteínas na hidroxila da tirosina, ativando mecanismos celulares que estimulam sua proliferação e onde se enquadra a proteína caracterizada por Baltimore. Nos laboratórios Ciba-Geigy (atual Novartis) iniciou-se, em 1982, um programa de pesquisas, liderado por Jürg Zimmermann, visando identificarem-se um inibidor de quinases. As empresas farmacêuticas que descobrem ou inventam fármacos, iniciavam, nesta época, com muita expectativa, o uso de técnicas robotizadas de avaliação maciça de amostras (high-throughput screening - HTS), oriundas ou não de coleções de substâncias. Nestes estudos foram identificados na Ciba-Geigy, derivados 2-fenilaminopiridinícos (em cor de rosa na estrutura do imatinibe abaixo), capazes de inibirem a proteína-quinase C (PKC) usada nestes ensaios in vitro. A partir deste composto inicial, identificado neste screening, várias modificações moleculares foram sendo introduzidas, visando potencializar seu efeito sobre outras quinases, dentre as quais estavam a Abl-Bcr quinase, enzima da classe das TKs. Desta forma, os químicos medicinais chegaram à estrutura do imatinibe (GlevecR), primeiro inibidor de TK introduzido no mercado, em 2001 pela Novartis. Vale menção o fato de que a introdução do grupo metila na posição orto do sistema diarilamina do imatinibe, foi um adereço estrutural crítico para assegurar a conformação adequada à seletividade sobre a Abl-Bcr TK. O sucesso do imatinibe, desenvolvido na Novartis, com perfil de seletividade sobre TKs para o tratamento do câncer, representava um novo mecanismo de controle desta doença e levou as empresas farmacêuticas concorrentes a identificarem vários outros fármacos me-too com perfil inibidor multi-TK’s e com diferentes indicações terapêuticas para outros tipos de câncer, como gefitinibe (IressaR Astra-Zeneca), dasatinibe (SprycelR, BMS), sorafenibe (NexavarR, Bayer e Onyx Pharmaceuticals), nilotinibe (TesignaR, Novartis), lapatinibe (TykerbR, GSK), sunitibe (SutentR, Pfizer), ruxolitinibe (JakafiR, Incyte Pharmaceuticals e Novartis) e crizotinibe (XalkoriR, Pfizer), entre outros. A figura abaixo contém as estruturas de alguns tinibes indicando por cores a similaridade molecular entre estes fármacos.
     
     O mesilato de imatinibe foi o primeiro exemplo de sucesso da aplicação da técnica de HTS de coleções de substâncias concomitante à técnicas de desenho molecular da Química Medicinal, que representou uma importante inovação terapêutica.


      Concluindo esta parte estamos encerrando nossa Linha do Tempo da Química Medicinal referente às descobertas ou invenções terapêuticas do século XX e nas próximas partes passaremos às inovações ou descobertas deste século, com mais de uma década vivida.
       Obrigado por ler.