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sábado, 14 de janeiro de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (Parte VII)

   Nesta nossa Linha do Tempo da Química Medicinal atingimos a sétima parte e vamos tratar da invenção do captopril, inovação terapêutica que originou todos os fármacos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), ampliando, de forma inovadora, as alternativas para o tratamento e controle da hipertensão, severa doença crônica não transmissível de elevado índice de mortalidade (vide Parte V desta Linha do Tempo da Química Medicinal para a história do propranolol, outro fármaco anti-hipertensivo que atua por outro mecanismo de ação).



   Por uma feliz coincidência, assisti, ao final das atividades letivas de 2011, conferência do Professor Sérgio Henrique Ferreira, intitulada “Vivendo entre a hipertensão e a dor”, apresentada na solenidade de entrega do primeiro Prêmio Sérgio H. Ferreira, outorgado a Dra Danielle Gabriel Costa, como a melhor tese de doutorado do Programa de Farmacologia e Química Medicinal do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (http://www.portaldosfarmacos.ccs.ufrj.br/atualidades_premiosferreira.html), quando pude apreciar o conferencista apresentar sua visão sobre a invenção do captopril.


   A história da invenção do captopril inicia-se em duas cidades do interior paulista. Em Ribeirão Preto, SP, mais precisamente na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), onde o Professor Maurício Oscar Rocha e Silva decide continuar seus estudos, iniciados na capital, sobre os efeitos farmacológicos do veneno da jararaca (Bothrops jararaca) e em Franca, não muito distante da Faculdade de Medicina da USP-RP, onde nasceu Sérgio Henrique Ferreira (SHF), em 1934. Nos idos de 1960, SHF realiza seus estudos médicos nesta Faculdade de Medicina e se junta ao grupo de pesquisa do Professor Rocha e Silva aonde conclui seu doutoramento, estudando os efeitos de peptídeos do veneno da jararaca na severa necrose tissular e profunda hipotermia provocada pela picada da serpente. Neste trabalho, identificou o fator de potencialização da bradicinina (BPF), peptídeo que parecia atuar, possivelmente, na inibição da enzima que a inativa. Algum tempo após, SHF ingressa no Institute of Basic Medical Sciences do Royal College of Surgeons, em Londres, Inglaterra, como pós-doutor, passando a trabalhar no laboratório de John Robert Vane, Professor de Farmacologia Experimental, que vinha dedicando esforços de pesquisa para identificar as causas da hipertensão. Em seu projeto, Ferreira estudava os efeitos do extrato do veneno em potencializar os efeitos da bradicinina e investiga sua ação sobre a enzima conversora de angiotensina (ECA), foco principal dos interesses de pesquisa de Vane. Os resultados indicaram potente efeito inibidor desta enzima, entusiasmando o grupo de pesquisas. Nesta época, Vane era também consultor científico dos laboratórios Squibb em New Brunswick, New Jersey, onde durante um seminário apresentou os efeitos anti-hipertensivos do teprotídeo, um nonapeptídeo cuja estrutura Glu-Trp-Pro-Arg-Pro-Gln-Ile-Pro-Pro (C53H76N14O12) fora elucidada, em Londres, no seu grupo de pesquisa, como sendo o BPF. Na platéia encontravam-se vários cientistas da Squibb, dentre os quais Miguel A. Ondetti, David W. Cushman e Bernrd Rubi, que em seguida passaram a estudar a obtenção de derivados sintéticos, inspirados no teprotídeo, devido aos importantes efeitos que apresentou sobre a pressão arterial em bioensaios com ratos e cães, capazes de preservarem seus efeitos inibidores e que permitissem seu emprego como fármaco de uso oral no controle da hipertensão. O árduo trabalho da equipe de pesquisadores da Squibb, liderados por estes cientistas, os levaram a obter diversos pequenos peptídeos modificados, resistentes a hidrólise ácida do trato gastrointestinal, autênticos peptóides. Chegaram ao derivado 2-metil-succinilprolina, com uma única ligação amídica, que em função da presença do grupo metila próximo à função amidíca da molécula que foi ativa em inibir a ECA, ainda que modestamente. A partir do conhecimento de que a ECA era uma metalo-enzima, dependente de zinco, os químicos medicinais da Squibb, decidiram incluír um grupamento tiol primário, grupo funcional relativamente raro em fármacos, à época, de forma a favorecer as interações efetivas do candidato a fármaco com a enzima-alvo, explorando a forte coordenação entre S-Zn. Desta forma substituiram ao grupamento carboxílico terminal do derivado succínico pelo tio-álcool obtendo o precursor do captopril, SQ-14.225, que se mostrou seletivo e potente, não apresentando atividade sobre outras peptidases, incluindo outras metalo-peptidases, e.g. carboxipeptidase-A. Quando testado por via oral, em ensaios pré-clínicos, ainda na forma racêmica, foi muito ativo apresentando IC50 sobre a ECA de pulmão de coelhos de 2,4 microM, sendo seus efeitos amplificados para 0,02 microM quando a forma enatiopura foi bioensaiada, surgindo, em 1975, o captopril que teve sua patente concedida em 1976 e passou a ser comercializado um ano após com o nome fantasia de CapotenR. Em 1980, a agência regulatória norte-americana, Food and Drug Administration (FDA) autoriza o uso do captopril para controle e tratamento da hipertensão nos EUA. Este fármaco foi o primeiro blockbuster da Squibb, superando a marca de US$ 1 bilhão em vendas anuais, até 1996 quando se tornou um medicamento genérico. Assim como outras inovações terapêuticas, o captopril inspirou o surgimento de vários outros fármacos me-too que compõem a classe dos inibidores da ECA.


   Devido às suas excelentes contribuições científicas John R. Vane (1927-2004) ganhou o Prêmio Nobel de Medicina, em 1982, compartilhado com Sune K. Bergstöm (1916-2004) e Bengt Ingemar Samuelsson, por sua contribuição também na elucidação do mecanismo farmacológico de ação do ácido acetilsalicílico (AAS), onde Sérgio H. Ferreira teve significativa participação e que será tema futuro neste blog.


   Na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal, trataremos do surgimento das estatinas, fármacos indicados para o controle da taxa de colesterol plasmático, atuando como inibidor da hidroximetilglutarilcoenzima-A redutase (HMGCoAR) e que representam a classe terapêutica de maior faturamento em vendas mundiais da história de todos os medicamentos.


Obrigado por lerem.