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quinta-feira, 28 de março de 2013

Mais história de inovação terapêutica recente: a descoberta do crizotinibe

Esta postagem é a vigésima deste blog às vésperas da Páscoa de 2013, cabendo iniciá-la com votos de uma Feliz Páscoa a todos e a todas.


  
 
     Vamos tratar agora da descoberta do crizotinibe, um importante fármaco anticâncer que foi aprovado pelo Food and Drug Administration dos EUA, em agosto de 2011. Este novo tinibe teve indicação preferencial para o câncer de pulmão que representa a segunda mais importante forma da doença, vindo em seguida ao câncer de próstata em homens e da mama em mulheres. O câncer de pulmão pode ser classificado em dois tipos relativo à natureza das células envolvidas. Aqueles de pequenas células e outras formas de células não pequenas (NSCLC do inglês: non-small cell lung cancer), que é majoritário. Este tipo de tumor corresponde a um grupo heterogêneo, composto de três tipos histológicos principais e distintos, a saber: carcinoma epidermóide, adenocarcinoma e carcinoma de grandes células que acomete cerca de 75% dos pacientes diagnosticados com câncer de pulmão. O tratamento do NSCLC têm sido realizado utilizando fármacos organo-platina que, infelizmente, não permitem uma sobrevida superior a um ano para os pacientes. Outra opção compreende o emprego de antagonistas do receptor do fator de crescimento da epiderme (EGFR) e inibidores de tirosina quinase como o gefitinibe e o erlotinibe. O crizotinibe é um derivado 2-amino-3-benziloxi-5-aril-piridina desenvolvido pela Pfizer e comercializado com o nome XalkoriR. Este fármaco é um inibidor dual de tirosina quinase (TK´s), atuando competitivamente no sítio do ATP desta classe de enzimas, em concentração nanomolar, especialmente sobre a c-MET (fator de transição epitelial-mesenquimal) tirosina quinase e a do linfoma aplástico (ALK), com IC50 de 8 e 20 nM, respectivamente. A concentração em que o crizotinibe atua sobre outras quinases é cem vezes maior, no mínimo, do que aquela observada sobre seus alvos preferenciais o que assegura elevada seletividade. Vale mencionar que em ensaios pré-clínicos este fármaco promoveu a regressão de tumores severos em pulmões de ratos tratados por 15 dias com 100 mg/kg/dia. Em ensaios clínicos o crizotinibe permitiu sobrevida superior a um ano em 77% dos pacientes e de dois anos em 64% dos pacientes, quando tratados com 250 mg/dia p.o..
O custo médio deste tratamento pode atingir ca. R$20000,00 (vinte mil reais)/mês.
 
   O crizotinibe é resultado de um programa de pesquisas em Química Medicinal aplicando a estratégia de desenho molecular baseado na estrutura do alvo terapêutico (SBDD, do inglês: structure base drug design), especificamente o sítio quinase da c-MET, não fosforilada. Empregando técnicas de co-cristaliação em ligantes da classe das indolil-2-onas, subunidade estrutural presente em eficientes inibidores de TK eleito como protótipo, como o sunitinibe, também patente da Pfizer e aprovado para tratamento de tumores de estômago, a estrutura inicial foi otimizada. Foi observado, ainda, nestes estudos, que a introdução de substituintes nas posições 4 e 5 do anel indolinônico do ligante indolil-2-ona, permitia a modulação da atividade sobre c-MET, tendo sido identificado o derivado sulfonamídico como mais eficiente (Figura). A partir desta substância, modificações moleculares ao nível da função sulfonamida levaram ao composto simplificado 1 (PHA-665752), apresentando uma função metilenosulfona entre o terminal fenil-halogenado e o sistema indolinônico, além de alterações ao nível da amida piperazínica. Esta substância foi bastante eficaz ao inibir a c-MET, atuando em concentração de 8 nM. Estudos de co-cristalização deste composto com a c-MET orientaram às modificações moleculares posteriores que foram introduzidas alterando a natureza indolinônica original e sacrificando a função sulfona. Estas alterações levaram ao novo padrão molecular presente no crizotinibe, que apresentou o perfil de atividade duplo desejado, atuando sobre a c-MET, praticamente na mesma concentração do precursor 1 e na quinase ALK em concentração de 20 nM.


 



  A rota de síntese utilizada para a preparação do crizotinibe está ilustrada a seguir.
 A partir da acetofenona dicloro-fluoroda, reduzida enantiosseletivamente por meio de esterases de fígado de porco, a pH 7 em tampão de fosfato, produziu-se o (S)-álcool em 99% de excesso enantiomérico. Reação de Mitsunobu do álcool quiral com 3-hidróxi-2-nitropiridina forneceu o nitro-éter em ótimo rendimento. Redução em condições de hidrogenação catalítica, utilizando níquel, produziu o derivado amminopiridiníco que, em seguida foi substrato para a reação de Suzuki com o pinacol-boronato pirazólico protegido com N-Boc. Finalmente, desproteção da subunidade piperidínica com tratamento ácido e cristalização em n-heptano, forneceu o crizotinibe em bons rendimentos globais nesta rota sintética escalonada para 20 kg.
 
 
Este fármaco representa significativo recurso terapêutico para o tratamento de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas, estando programada para este ano de 2013, a entrega do dossiê à ANVISA visando seu uso no País.
Obrigado por ler.
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1.  PD de Koning et al., Org. Process Res. Dev. 2011, 15, 1018