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sábado, 6 de julho de 2013

As estruturas químicas e os recursos para desenhá-las


Relendo um artigo de divulgação científica publicado este  ano, me deparei com alguns argumentos centrais do autor, sobre o avanço tecnológico que se observou na difusão da informação, com inúmeros novos recursos, além das redes sociais, capazes de distribuí-la eficiente e rapidamente. Não sei bem porque, fiz um link com a evolução que acompanhei no desenho das estruturas químicas de compostos orgânicos desde aquelas dos triterpenos tetracíclicos do tipo damarano de minha dissertação de mestrado, concluída em 1973, até as últimas, representadas em recente publicação oriunda do LASSBio. Achei que poderia ser interessante como leitura, o registro da evolução dos recursos para o desenho das estruturas químicas dos compostos orgânicos, que testemunhei, daquela época até hoje. Tomara que não me tenha equivocado, decidindo mudar, nesta vigésima-terceira postagem, a temática recentemente adotada, tratando das descobertas de novos fármacos, à qual retornarei na próxima.
        A Figura 1, abaixo, ilustra as estruturas dos compostos 3β,20(R)-diidroxidamar-24-eno e 20(R)-idroxidamar-24-en-3-ona isolados de Barbacenia bicolor Mart., em 1973, no então Centro de Pesquisas de Produtos Naturais (CPPN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este novo triterpeno tetracíclico descrito em minha dissertação de mestrado que foi realizada sob a orientação do Professor Benjamim Gilbert (vide foto).
Professor Benjamin Gilbert
 
 
 
 


Naquela época, o desenho das estruturas químicas dos inúmeros triterpenos tetracíclicos, contendo o sistema ciclopentanoperidrofenantreno, que foram incluídos na dissertação, desde a introdução - de maneira a estabelecer o estado-da-arte do tema - assim como aquelas dos diferentes produtos obtidos nas inúmeras transformações químicas feitas com os produtos naturais originais, necessárias à sua completa e inequívoca caracterização estrutural, foram realizados com uso de régua de estruturas (Figura 2). Então o plus da época!
        A aparência final das estruturas tais quais apareceram na dissertação “Triterpenos tetracíclicos de Barbacenia bicolor Mart”, era bastante conveniente, mas não possuíam, a despeito do hercúleo trabalho realizado, a mesma qualidade dos desenhos atuais. Vale registrar que à época, a tecnologia de cópias xerográficas era muito inicial e, portanto, caras. Por esta razão, as três vias da dissertação, exigidas para a defesa, foram todas originais, sendo as estruturas desenhadas três vezes cada uma! Neste período, 1973, o uso da tinta nanquim ainda era incipiente e por isso as estruturas foram desenhadas, uma a uma, empregando uma caneta esferográfica. Esta escolha abolia o risco de borrar o desenho, que muito facilmente ocorria com o uso das canetas a nanquim.
Em 1978, concluí meu doutoramento na Université Scientifique et Médicale de Grenoble na França, com uma tese tratando da síntese de novos análogos de prostaglandinas, intitulada “Synthèse totale de prostaglandines modifiées à partir del'alpha-tropolone”. O tema me levou a tratar de substâncias com 20 átomos de carbono, um terço a menos dos 30 presentes nos triterpenos do mestrado. Esta aparente involução, em termos de número de átomos de carbono no tema do doutorado em relação ao mestrado, poderia representar uma vantagem, pois economizava 10 átomos de carbono em cada estrutura, aparentemente facilitando o desenho das estruturas da tese. Ledo engano! O template de desenho (Figura 2) não possuía o esqueleto clássico das prostaglandinas, representado pelo ácido prostanóico, um derivado trans-orientado de um ciclopentano disubstituído por duas cadeias laterais de sete e oito átomos de carbono, respectivamente (Figura 3), fazendo com que o desenho destas estruturas fossem mais laboriosos que aquelas do mestrado, a despeito do menor número de átomos de carbono!


        Tendo sido uma tese de síntese e representando o resultado de quatro anos de trabalho de pesquisa, o número de estruturas químicas foi significativamente maior do que o da dissertação! Felizmente, na França as condições do laboratório de meu orientador, Professor Pierre Crabbé, eram favoráveis permitindo que se usasse template de estruturas e caneta nanquim, sendo as letras dos heteroátomos das estruturas desenhadas com decalque de símbolos químicos, inexistentes anos antes, durante o mestrado. Neste caso os heteroátomos eram datilografados, centralizados sobre as estruturas pré-desenhadas. Apenas um cuidado era extremamente necessário ter para prevenir borrar os desenhos, usar papel vegetal, que favorecia a rápida absorção da tinta e compatibilizar a espessura da letra-set comercial de símbolo químico com a ponta da caneta a ser usada. Foi fantástico, “editar” as ca. 220 páginas da tese, com a correta inserção das estruturas desenhadas a nanquim sobre papel vegetal, com todos heteroátomos decalcados e numeradas consecutivamente! A operação era de fato: recortar e colar! Uma eventual omissão, ou erro, obrigaria a renumerar todas as estruturas até aquele ponto, representando um trabalho a mais que não cabia no prazo disponível para completar a tese. A solução? Não errar! Não “esquecer” nenhuma estrutura de nenhum esquema ou figura da tese, trabalhando com redobrada atenção, a cada dia. Para ter um paralelo com as estruturas terpênicas da dissertação de mestrado, as prostaglandinas do doutorado também tinham vários centros estereogênicos! Mais um fator complicador.



        No início dos anos 80, do século XX, o must para elaborar textos datilografados, era o uso de máquinas de escrever elétricas providas de esferas intercambiáveis contendo distintos e necessários símbolos, inclusive o alfabeto grego, facilitando, sobremaneira, o trabalho de datilografia dos textos científicos.  Contrariamente ao que fazemos hoje, na redação de textos, que são digitados, àquela época ao invés de digitar nós datilografávamos! Os eventuais, irritantes e indesejados erros, eram corrigidos com líquidos corretores na própria página enquanto na máquina de escrever.
        Começaram a surgir, no final daquela década, os primeiros desktops com a “enorme” capacidade de 256 Mb de memória. À época empregavam-se drives de floppy-disk 8 onde ficavam os primeiros programas de edição de textos. Nesta época, predominavam os monitores de iôdo, que asseguravam o contraste de sua luz verde em fundo preto. Este incrível salto tecnológico na editoração de textos, indo das máquinas de escrever elétricas, onde a IBM com esferas “margaridas” era a mais cobiçada, para os “poderosos” computadores 386, foi seguido, temporalmente, dos primeiros programas de representação de estruturas químicas que surgem, importados no Brasil, no final da década de 80. Inicia-se aqui a “aposentadoria” dos modelos moleculares onde aprendi estereoquímica. Vale mencionar, que fui instruído por meu orientador de doutoramento a usar uma folha A4 de acetato, com o desenho feito com caneta hidrográfica colorida da principal estrutura química em estudo, pendurando-a, como um mobile, sobre a escrivaninha de trabalho e mudando a cada semana sua orientação pelos quatro lados da folha. Este hábito me ajudou a educar a visão tridimensional das estruturas químicas antes do uso dos computadores pessoais.


        De lá para cá, os avanços observados nos recursos de representação de estruturas químicas, orgânicas ou não, foram sensacionais, e olhando com os olhos de hoje, como se fazia há apenas 30 anos, a evolução foi fantástica. O sem número de softwares comerciais ou não, mais ou menos sofisticados, disponíveis atualmente para se desenharem as estruturas químicas e visualizarem-se, tridimensionalmente, as moléculas, são prova da evolução tecnológica observada neste setor.

        Obrigado por lerem.