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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Sobre as tendências dos fármacos neste século!

 
            Nos últimos tempos tenho lido muita coisa, de química medicinal e outras. Afinal, aproveitar uma pausa de nada mais, nada menos do que sete (eu disse sete!!) dias de autênticas férias fora de época, me ajudou a decidir sobre o tema desta postagem.
           O século passado começa a se distanciar, embora ainda haja um pouco de “antigamente” no ar, quando percebemos que apenas catorze anos do novo século, decorreram até hoje. Várias tangentes podem dar a dimensão da época. Por exemplo, apenas 14% do novo século se passaram, adotando a referência do vigésimo, o que pode ser considerado “pouco tempo”. Por outro lado, se nos lembrarmos que este ano, em julho, completar-se-á um século do início da Primeira Guerra Mundial, parece bem distante, embora com a atual situação política no leste europeu, devemos compreender que nossa época tem marcas que devem nos levar a reflexões.
     Voltemos à Química Medicinal! No século passado conquistamos significativos avanços tecnológicos, em várias, distintas e numerosas áreas, incorporando estas novas tecnologias ao nosso cotidiano com sensível melhoria de nossa qualidade de vida. Diversos exemplos poderiam ser mencionados, mas vou me restringir aos medicamentos que são uma das mais importantes invenções do século XX. De fato, descobriram-se e inventaram-se, ao longo daquele século, praticamente todo o arsenal terapêutico contemporâneo. Algumas descobertas significativas são representadas pela penicilina, descoberta na Inglaterra, por Fleming em 1928 e o paclitaxel, descoberto em 1967, por Wall e Wani, nos Estados Unidos. A primeira substância se originou de fungos enquanto que a segunda, surgiu em plantas, evidenciando a importância dos produtos naturais nos primórdios dos medicamentos.
 

Estruturas do paclitaxel (à esquerda) e da penicilina-G (à direita)
 
     Invenções importantes surgiram naquele século, sendo as moléculas do propranolol e da cimetidina criadas por Black e colaboradores, em 1964 e 1975, respectivamente, na Inglaterra, exemplos marcantes. Ambos compostos, de indicações terapêuticas distintas, representaram inovações radicais de alto impacto que têm em comum a mesma base metodológica que, aliás, predominou ao longo de nove décadas do século XX. Foram frutos do pensamento da época que sugeria a necessidade de seletividade para determinado alvo-terapêutico, como atributo de segurança e de poucos efeitos adversos. Esta abordagem, explicada pelo paradigma de Fischer & Ehrlich, vigorou desde o início do século e orientou a invenção da maioria dos fármacos do século XX. Esta maneira de “pensar” os novos fármacos, à época, foi capaz de moldar a terapêutica ao longo do século de então e são inúmeros os exemplos de sucesso que tiveram fantásticas repercussões no tratamento e no controle de diversas doenças. Curiosamente, algumas patologias não lograram tratamento eficaz, à luz desta tendência, especialmente aquelas de causas multifatoriais, como câncer, diabetes tipo-2, Alzheimer e vários quadros inflamatórios crônicos como artrite reumatoide, entre outros.
 
 Na última década de 90, começou um novo paradigma do “pensar” a invenção de moléculas para uso terapêutico ou seja novos fármacos, que em oposição ao primeiro, vigente ao longo das outras décadas do século XX, proclama a vantagem de se terem fármacos de afinidade comparável a distintos alvos, relacionados à mesma patologia. O marco desta mudança deve-se à invenção do imatinibe, importante fármaco anticâncer, surgido em 2001, nos laboratórios da Ciba-Geigy, que ao fundir-se com a Sandoz resultou na atual Novartis, na Suiça. Sua patente de uso vencerá em janeiro de 2015, no principal mercado farmacêutico mundial, sendo que a empresa farmacêutica Novartis tem o monopólio patentário do uso de forma cristalina específica do mesilato do princípio ativo, até maio de 2019. Este fármaco provocou importante polêmica sobre a questão dos preços dos fármacos anticâncer, visto que em 2001, o custo anual do tratamento com imatinibe foi de US$ 30.000 por paciente, tendo atingido a bagatela de US$ 92.000, em 2012, o que rendeu à Novartis ca. US$ 5 bilhões. Talvez este possa ter sido um dos motivos para o grave contencioso sobre sua patente na Índia, surgido em 2005.

Capa da revista Time comemorando a invenção do imatinibe (GleevecR) e sua estrutura química.
 
            Após a virada do século começaram a surgir na literatura de química medicinal, inúmeros artigos tratando das vantagens terapêuticas dos fármacos multialvos, certamente inspirados pela compreensão da importância dos efeitos benéficos do imatinibe no tratamento da leucêmia mielóide crônica (CML), atuando como inibidor de tirosinas quinases, Bcr-Abl, principalmente, c-kit e PDGF-R (receptor do fator de crescimento derivado de plaquetas), um dos primeiros exemplos de sucesso de fármacos multialvos, característica que deverá predominar nas principais inovações terapêuticas do século XXI, desenhando o perfil dos futuros fármacos. Será?
            Muito obrigado por lerem.