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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A morfina, o ácido acetil salicílico e o tempo dos fármacos pioneiros.



Esta é a quadragésima oitava postagem que provavelmente vai fechar 2015. Pensei que chegaria à quinquagésima neste ano, mas não deu. Tant pis!

            Algumas moléculas de fármacos têm características particulares, seja sob o ponto de vista estrutural, seja sob a ótica conceitual ou até histórica. É o caso da morfina e do ácido acetil salicílico (AAS), nosso tema da vez.

Embora ambos sejam fármacos analgésicos, têm origens bem distintas, diferentes histórias, estruturas e mecanismos farmacológicos de ação (MoA). Desde já fica claro que “obedecem” ao princípio da similaridade molecular. Ou seja: moléculas similares, propriedades similares! Embora classificados como analgésicos, as dissimilaridades moleculares são flagrantes, indicando que o MoA teria de ser obviamente distinto.
Qualquer que seja a fonte consultada, sobre a origem dos fármacos, ambos estarão, muito provavelmente presentes, ilustrando o tema. A história da morfina é clássica, se pudermos dizer assim. Pode-se apre(e)nder muita Química Medicinal, conhecendo-a. Foi trazida por Marco Polo do Oriente para a praça San Marco, em Veneza e cedo se descobriu suas potentíssimas propriedades analgésicas centrais, denominando-a como um potente fármaco hipno-analgésico. Foi amplamente estudada desde seu isolamento e purificação pelo farmacêutico alemão Friedrich Setürner, em 1805, que homenageou suas propriedades narcóticas pela denominação emprestada de Morpheu, Deus do sono. Estudos de strip-tease molecular levaram à classe das N-metil-4-fenilpiperidinas, primeiros analgésicos centrais sintéticos, oriundos da morfina. A identificação dos seus sub-tipos de receptores centrais e o reconhecimento da existência das endorfinas são também decorrentes de sua descoberta.
 

Enquanto a morfina tem este caráter pioneiro dentre os alcaloides fenantrênicos, o AAS tem sua marca pioneira por ter sido o primeiro fármaco sintético produzido industrialmente como tal pela Bayer, também na Alemanha. Além de serem, por que não, moléculas “conterrâneas”, também motivaram prêmios Nobel! A primeira devido ao excelente trabalho de elucidação estrutural realizado por Sir Robert Robinson, em 1925, que ganhou o prêmio de Química em 1947. Interessante observar que a estrutura da morfina tem na parte “norte” do esqueleto pentacíclico um sítio básico, ionizável, referente à presença da função amina terciária endocíclica e na parte “sul” da molécula os grupos funcionais oxigenados, que podem contribuir com ligações-H, doadores e aceptores, para interações com os biorreceptores. De certa forma, a morfina respeita as regras de Lipinsky..., embora este não as tenha criado para ela. Aliás, nem sempre assim é com os fármacos de origem natural e as regras....! Há mais um elo interessante entre a morfina e o AAS! Lá pelos idos do século dezenove a reação da moda na química orgânica, era a acetilação. Mais ou menos tudo que fosse acetilável, era acetilado! Já vimos um pouco disso na postagem denominada “Os acetatos famosos”. Quando a morfina foi bis-acetilada, na Bayer, em 1874, obteve-se a heroína ou a 3,6-diacetilmorfina, que tendo maior lipofilia apresentou efeitos centrais mais potentes. Esta acetilação foi apenas alguns anos anterior à acetilação do ácido salicílico, feita por Albert Hoffmann, nos mesmos laboratórios da Bayer, visando reduzir seus efeitos gastro-irritantes e melhorar suas propriedades analgésicas. O AAS também motivou um prêmio Nobel, agora de Fisiologia e Medicina, em 1982, a três pesquisadores pela elucidação de seu mecanismo farmacológico de ação. Foram eles: John R Vane, Bengt Samuelsson e Sune Bergström. Curiosamente, o AAS não teve nenhum respeito pelas regras do Sr Lipinsky...., mas é um dos fármacos mais utilizados do mundo, sendo que o total do que se consome de AAS mundialmente pode coloca-lo na escala superior à 50000 toneladas/ano (uma escala “quase petroquímica”).  Enquanto isso, o uso de morfina como analgésico foi estimado em 45000 kg, em 2013...!
            A complexa estrutura química da morfina atraiu o interesse de muitos químicos orgânicos de síntese. Sua primeira síntese total foi realizada na Universidade de Rochester, EUA, por Marshall D. Gates, Jr., em 1952. Depois disso muitas outras vieram como a descrita por K. C. Rice, em 1980; David Evans, em 1982; P. L. Fuchs,em 1988; K. A. Parker, em 1992; L. E. Overman, em 1993; Joham Mulzer, em 1996;  J. D. White, em 1999; D. F. Taber e B. Trost, independentemente, em 2002; T.  Fukuyama, em 2006; C.  Guillou, em 2008 e Gilbert Stork em 2009, sendo esta a única rota estereosseletiva para a morfina, realizada dois séculos depois de seu isolamento!

Finalmente, se a morfina com seus 17 átomos de carbono distribuídos em seu sistema pentacíclico com 5 centros estereogênicos, foi responsável pela premiação de um nobelista, o AAS com apenas 9 átomos de carbono e sem nenhuma complexidade molecular, nem quiralidade, “premiou” três nobelistas, uma média de um premiado para cada 3 de seus 9 átomos de carbono!!! Ótima média, não?!


Boas Festas e obrigado por lerem.
 

domingo, 13 de dezembro de 2015

sábado, 10 de outubro de 2015

Os fármacos bromados são poucos & raros.



Esta quadragésima sétima postagem, decidi dedicar aos grupos funcionais (GF´s) mais frequentes nos fármacos. Entendendo que é possível que em suas estruturas podem haver alguns mais predominantes que outros. Vamos identificá-los e a partir desta predominância saberemos quais precisam ser aqueles mais estudados, na Química Medicinal, propriamente dita e nas disciplinas básicas como a Química Orgânica e a Síntese Orgânica, irmãs da Química Medicinal.
            Existem várias publicações dedicadas a este tema e cabe destacar, a título de ilustração apenas, o livro “Review of organic functional groups” de Thomas L. Lemke, Victoria F. Roche e S. William Zito, já em sua quinta edição, adotando a visão da Química Medicinal. Outro, de importância histórica, que precisa ser citado é “Patai´s chemistry of functional groups”, com vastíssima documentação da reatividade, métodos de síntese/preparação e transformação de GF´s, com viés para a Química Orgânica. Inúmeros papers descrevem a frequência com que determinados GF´s aparecem, predominantemente, nos fármacos, admitindo que deverão ter propriedades físico-químicas favoráveis à druggability, i.e. maior probabilidade de contribuírem para adequada biodisponibilidade, devido ao provável coeficiente de partição favorável à biodistribuição ideal, para a estabilidade química, metabólica e para a baixa toxicidade. Estes GF´s deverão ser aqueles a serem incluídos preferencialmente nas estruturas dos fármacos em desenvolvimento, de forma a reduzir o risco de “morte” prematura, que eleva significativamente, segundo as indústrias farmacêuticas, o custo das invenções ou inovações terapêuticas. Claro que o que fundamenta tudo isso é saber que mais de 85% dos fármacos em uso no arsenal farmacêutico contemporâneo, são moléculas orgânicas sintéticas.


Para fazer curta e objetiva, uma história longa e complexa, menciono que mais do que 90% dos fármacos sintéticos são cíclicos (exceção que pode ser citada metformina), i.e. possuem em suas estruturas químicas pelo menos um ciclo, sendo que destes, em sua esmagadora maioria são policíclicos e aromáticos, geralmente multisubstituídos e em sua maioria heterocíclicos. Assim sendo, a química de heterocíclicos é imprescindível ao ensino de profissionais de nível superior para atuarem nesta área, tanto o estudo de suas propriedades, métodos de síntese e reatividade. Tomara que ainda seja assim nas grades curriculares dos cursos de Química e Farmácia do País, como era quando fui estudante de Farmácia (será?).

Se invertermos a abordagem feita até aqui, i.e. procurarmos identificar os GF´s que são menos abundantes nas estruturas químicas dos fármacos, estes, em contraste aos mais frequentes, poderão apresentar propriedades opostas, i.e. indesejáveis para a druggability e toxicidade da molécula. Desta feita constata-se que são bem menos numerosos os trabalhos dedicados a esta visão dos GF´s e de forma geral se associam a reatividade dos GF´s – em termos eletrofílicos ou radicalares – ao seu potencial tóxico. De fato, GF´s muito reativos, nestes termos, são encontrados entre aqueles classificados como toxicofóricos. Desta forma, os derivados da classe dos nitroazolas (e.g. benzonidazola) ou nitroaromáticos (e.g. cloranfenicol), produzindo intermediários reativos radicalares pelo metabolismo, apresentam toxicidade. Grupamentos funcionais classificados como aceptores de Michael – e.g. enomas, também apresentam potencial tóxico, embora atualmente este GF venha sendo incluído racionalmente em moléculas planejadas para atuarem como inibidores enzimáticos irreversíveis, como alguns quimioterápicos recentes. Entre os grupamentos lábeis, capazes de produzirem adutos com nucleófilos biológicos, portanto potencialmente tóxicos, encontram-se os haletos, sendo os de maior risco, aqueles mais reativos, dependendo do halogênio quanto às suas características de grupos abandonadores numa reação nucleofílica, i.e. I > Br > Cl > F. Realmente, são raros os fármacos iodados e também muito raros os bromados. Em contraste, são muito numerosos os fármacos clorados e fluorados, mas nenhum benzílico ou alélico, de maior reatividade.    

Cabe menção, que entre os fármacos utilizados na forma de sais inorgânicos, inúmeros são os exemplos de bromidratos (e.g. bromidrato de ipratropium), pois na forma de contra-íons o brometo não possui toxicidade intrínseca comparável com aos haletos reativos.

            Entre os fármacos (hetero)arilfluorados temos alguns blockbusters e muitas inovações terapêuticas marcantes, inter-alia: atorvastatina, celecoxibe, ciprofloxacina, decernotinibe, escitalopram, ezetimibe, fluticasona, fluconazola, fluoxetina, fluvastatina, gefitinibe, idelalisibe, lansoprazola, levofloxacina, maraviroque, paroxetina, pantoprazola, risperidona, roflumilaste, rosuvastatina, sitagliptina, sulindaco, travoprost. Dentre estes exemplos, vários possuem o GF trifluormetila (-CF3) em suas estruturas. Entre aqueles (hetero)aril ou alquilclorados encontramos alprazolam, amlodipina, atovaquona, beclometazona, ciclofosfamida, clonazepam, clopidogrel, clordiazepóxido, cloroquina, clorpromazina, clortetraciclína, clozapina, diazepam, diclofenaco, indometacina, losartana, montelucaste, sertralina, entre outros.
Entre os poucos derivados arilbromados que são empregados como fármacos encontramos, de origem natural a nicergolina, um agente adrenérgico com indicações para o controle da enxaqueca; de origem sintética, o brotizolam, derivado com propriedades sedativas; vandetanibe, recentemente aprovado pela agência regulatória norte-americana (FDA; 2011) para tratamento de câncer da tireoide e como exemplo de antisséptico, de importância histórica, o mercúrio-cromo (Figura).
 


Ao finalizar é bom relembrar que não é a mera presença de GF´s “do bem” na estrutura química, que fará com que a molécula do fármaco seja “do bem”, i.e. não seja tóxica. Não devem os Químicas Medicinais propriamente ditos, esquecerem que estes aspectos dependem da dose empregada e que as propriedades terapêuticas de uma determinada substância resultam da estrutura química como um todo e não apenas de parte dela!

        Obrigado por lerem!

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A Química Medicinal propriamente dita


             Nesta nossa quadragésima sexta postagem vou tratar de algo que me tem provocado intensa reflexão, recentemente. Refiro-me à qual deve ser a missão primordial da Química Medicinal, propriamente dita! Talvez redundância se faça necessário para reforçar o sentido do que pretendo dizer.

             Existem inúmeras definições na web e em diversas fontes bibliográficas credibilíssimas que atestam a primordial missão da Química Medicinal. Não vou entrar em juízos comparativos, para não chover no molhado, mas o que de fato interessa nesta disciplina interdisciplinar é a invenção de novos fármacos.  Tarefa árdua, sem dúvida, repleta de riscos de insucesso, imensamente superiores às diminutas perspectivas de êxito, em termos pessoais, mas que objetiva contribuir para com o arsenal terapêutico contemporâneo com novos fármacos eficazes e seguros para o tratamento e cura dos males que nos afligem. Não menciono, para não ampliar nem sombrear demais o foco principal, os elevados custos associados a esta atividade de inovação tecnológica, eminentemente baseada em Ciência. Poderia ainda citar alguns gargalos tecnológicos que teimam em existir no Brasil, neste importante setor industrial farmacêutico, mas isso per-se já seria tema para outra postagem. Quem tiver interesse pode consultar estes dois artigos recentes que publicamos: Barreiro, E. J.; Pinto, A. C.; Oportunidades e Desafios para a Inovação em Fármacos: Agora ou Nunca !, Rev. Virtual Quim. 2013, 5 (6), 1059-1074 (http://www.uff.br/rvq); Pinto, A. C.; Barreiro, E. J.; Desafios da Indústria Farmacêutica Brasileira, Quim. Nova 2013, 36 (10), 1557-1560 (Química Nova).
 


 
 
             Assim sendo, resto-me ao ponto principal: sem Química Medicinal não é possível inventarem-se fármacos! Melhor: os novos fármacos passam, indelebilissimamente (i.e. mais do que obrigatoriamente), pela Química Medicinal. Aquela propriamente dita! Aquela que tem Química! Aquela que compreende o destino do fármaco, enquanto princípio ativo (PA) do medicamento na biofase. Aquela que antecipa as razões moleculares dos efeitos terapêuticos desejados, dose-dependentes, ao mesmo tempo que entende as distintas contribuições moleculares de todos os fragmentos presentes na molécula do PA. Aquela que racionaliza, antecipadamente, os riscos moleculares associados a presença no PA de subunidades estruturais com propriedades químicas favoráveis à farmacocinética adequada e desprovidas, se possível, de toxicidade. Aquela que a partir daí pode intervir modificando racionalmente a estrutura química para otimizá-la, quanto a sua druggability. Estas “aquelas” é a Química Medicinal, propriamente dita!
            Não foi por nenhuma outra razão, além da defesa destes fundamentos, que quando consultado, recentemente, pela Divisão de Química Medicinal da American Chemical Society, em enquete feita com todos os seus membros ativos, sobre a troca de nome da Divisão, opinei pela manutenção de Química Medicinal!
 
            Não me entendam mal! Não esqueci que a invenção de novos fármacos não é uma tarefa individual possível. Precisa-se de uma equipe multidisciplinar de profissionais com habilidades científicas complementares, harmonicamente organizados, articulados, sintonizados e imbuídos de objetivo comum: o novo fármaco! Entre estes profissionais, o Químico Medicinal é indispensável!
            Almeja o nosso País ser um player na inovação em fármacos, segundo afirma(va)m especialistas na formulação das políticas públicas para Saúde. Para entrar neste seleto clube dos inventores de fármacos, precisamos, antes, inventá-los. O que não se pode fazer por medida provisória, nem decreto! Portanto não podemos prescindir de Químicos Medicinais! Aqueles propriamente ditos, com perfil de todas “aquelas” que mencionei arriba!

               Mãos à obra, o tempo urge: formemo-los! Para tanto precisamos preservar os conceitos da Química Medicinal, propriamente dita, empregá-los adequadamente, resistir aos modismos terminológicos criados exteriormente e que de fato nada acrescentam.
 
              Obrigado por lerem.
 
 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A Química Medicinal de luto

Em 23 de setembro, ontem, faleceu o Professor Camille Georges Wermuth. A Química Medicinal está de luto.

À direita Professor Wermuth homenageado pela
IUPAC (à esquerda Dr Robin Ganellin)
 

domingo, 19 de julho de 2015

Como evitar-se a “maldição de Wermuth” na Química Medicinal


Nesta nossa quadragésima quinta postagem vou abordar um tema que deve assustar os Químicos Medicinais, propriamente ditos!

Cabe um preâmbulo que explique a razão do título! Inúmeras regiões deste nosso Brasilzão têm crendices populares, que aguçaram nossa credulidade, ampliaram nossos temas folclóricos e nos enriqueceram culturalmente. Algumas relacionadas à sorte e muitíssimas outras a vários temas, inclusive à saúde. Algumas mandingas tornaram-se clássicas e embrenharam-se pelas bandas da superstição... A crença de que o 13 é um número de “azar” se opondo ao 7...pode ser um simples exemplo. A existência do Curupira, que anda por aí..., por lá e acolá; o uso do incenso como purificador e outras simpatias (Figura 1). Aquelas relacionadas à saúde são ofício de curandeiros e benzedeiras, de extrema riqueza em detalhes, mais ou menos distantes da razão, em certos casos.
 
 
     Por tudo isso me pareceu pertinente intitular o tema desta postagem como a “maldição de Wermuth”. Mas primeiro tenho de apresentar-lhes o Professor Camile G. Wermuth.
Trata-se de eminente Químico Medicinal francês, prestes a lançar a quarta edição da “Bíblia da Química Medicinal”, no próximo mês: The practice of MedicinalChemistry - Fourth edition (Academic Press, ISBN 9780124172050). Criador da Prestwick Co., em 1999, uma empresa de Química Medicinal como se auto-intitula, “incubada” em Ilkirch, zona próxima ao campus da Université de Strasbourg (antiga Université Louis Pasteur), onde Wermuth trabalhou toda sua carreira científica na Faculté de Pharmacie. Aquela universidade foi berço do trabalho de Nobelistas, alguns próximos à Química Medicinal como o químico Jean-Marie Lehn, ganhador do Prêmio Nobel de Química em 1987, aos 48 anos de idade, juntamente com Donald J. Cram (1919-2001) da University of California, Los Angeles (UCLA) e Charles J. Pedersen (1904-1989) do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Não nos esqueçamos que os pioneiros da Química Medicinal, Fischer e Ehrlich trabalharam ali por perto de Estrasburgo, criando as bases do que denomino de paradigma de Fischer & Ehrlich (vide postagem anterior neste blog). A proximidade de Estrasburgo com a Basiléia permitiu, talvez pela presença de inúmeros laboratórios de pesquisa em Química Medicinal pertencentes a várias famosas empresas farmacêuticas (inter-alia Sanofi Aventis, Roche, Novartis, Transgene, Lilly, Milipore) na área, ou exatamente por isso, o status àquela região da Alsacia francesa de Polo Europeu de Pesquisa de Novos Medicamentos (Pôle Européen des Recherches en Medicaments), denominação criada no âmbito das políticas de fortalecimento da competitividade industrial estratégica francesa.
Devemos a Wermuth a invenção de importantes medicamentos neuroativos da classe dos derivados aminopiridazinônicos, como a minaprina (CantorR), um dos principais antidepressivos utilizados na França. Mas afinal, qual será a tal maldição mencionada no título? Em seu livro, no prefácio da terceira edição, ele afirma que nada de mais ruim pode acontecer ao Químico Medicinal, propriamente dito, do que ter uma série de compostos, uma autêntica série congênere de dezenas de compostos sintetizados arduamente, completamente inativos ou impróprios! Como evitar esta “maldição”? Não será através de rezas, mandingas, nem crendices, mas empregando correta e cuidadosamente as estratégias de desenho racional que a Química Medicinal preconiza e nos ensina! Estas tem sido responsáveis pelos inúmeras inovações terapêuticas de sucessos como o foram, muitos dos medicamentos inventados no século 20 e utilizados até hoje! Por estas e por outras muitas razões (e não são poucas!), a gestão da pesquisa farmacêutica visando a inovação radical, como o faz o Químico Medicinal, propriamente dito, não é tarefa simples e aos tesandos da área, aconselho: de nada adianta “colecionar” 10, 20, 30 ou 40 novos compostos sintéticos, ou mesmo mais do que isso, sem que os bioensaios necessários a comprovarem suas atividades, estejam em plena sincronia com os esforços sintéticos, senão o risco da maldição aumenta e de nada adiantarão rezas ou amuletos, nem trabalhar na bancada  número 7!
      Saravá!

Obrigado por lerem.



 
 

terça-feira, 30 de junho de 2015

Sobre a importância da Química Medicinal na inovação em fármacos

Esta é nossa quadragésima quarta postagem e vou abordar este tema motivado, em parte, pela matéria da Agência FAPESP de 24 de junho de 2015 sobre a avaliação de diversos especialistas que participaram da “São Paulo School of Advanced on Neglected Diseases Drug Discovery – Focus on Kinetoplastids”, sobre como fortalecer a Química Medicinal no País.
É notório que a Química Medicinal é uma disciplina de caráter central no processo de inovação radical em fármacos. Seja qual for a perspectiva tratada, é inegável que sem a participação efetiva e ativa do Químico Medicinal não é possível inovar em fármacos. Refiro-me à inovação realmente inovadora, quando novas moléculas são desenhadas, racionalmente e planejadas para apresentarem propriedades terapêuticas originais sobre determinado(s) alvo(s) eleito(s). Entenda-se como propriedades terapêuticas originais, aquelas relacionadas ao reconhecimento molecular pelo alvo terapêutico, capaz de propiciar efeito terapêutico em concentrações aceitáveis, eficientes em termos de afinidade e segurança. Ao mesmo tempo, esta substância química - que em sua absoluta maioria é de natureza orgânica e tem peso molecular modesto, capaz de permitir sua classificação como “pequenas moléculas” - acumula propriedades farmacodinâmicas (PD) e  farmacocinéticas (PK) adequadas e suficientes para assegurar correta biodisponibilidade, para quando administrada por via oral. Este apropriado perfil de propriedades é considerado previamente pelo Químico Medicinal, desde o planejamento estrutural inicial. Inúmeros recursos tecnológicos podem servir a este propósito, reforçando e suportando teoricamente as premissas adotadas pelo Químico Medicinal quando de seu planejamento racional inicial. Estas técnicas assessórias, podem antecipar propriedades que são inerentes às estruturas químicas das substâncias e, portanto, previsíveis racionalmente. Inúmeros softwares foram desenvolvidos para auxiliarem na tomada de decisão precoce sobre go no-go de ligantes de um dado alvo terapêutico, seja ao nível das propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas. Entretanto, é preciso lembrar que, em ambos os casos, são modelos e nada mais do que isso, com riscos próprios em apresentarem possíveis resultados falsos positivos ou negativos, que podem induzir a decisões equivocadas. Especialistas nestas técnicas podem minimizá-los, analisando criticamente os fatores de riscos dos resultados obtidos pela modelagem in silico, mas nunca os eliminando. Atualmente, entre nós, são numerosos os químicos orgânicos sintéticos capazes de empregarem de forma elegante e eficiente metodologias sofisticadas de síntese total, para praticamente quaisquer substâncias orgânicas, mesmo aquelas de elevada complexidade molecular, bioativas ou não. Desta forma, pode-se preparar em diversas escalas e com bons rendimentos químicos globais, todas moléculas necessárias para a descoberta de um bom composto-hit, em amplo espaço químico, candidato à otimização posterior pelo Químico Medicinal até tornar-se um composto protótipo de novos fármacos inovadores. No que tange aos bioensaios, estes podem ser realizados em vários níveis sejam in vitro ou/e in vivo, empregando-se modelos de células e ensaios fenotípicos, comprovadamente relacionados à patologia a ser tratada. Exatamente estes são os propósitos do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBio) do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro que há 21 anos iniciou esforços no sentido de constituir-se num polo de capacitação e qualificação de pessoal em Química Medicinal. Nesta trajetória ca. 100 pós-graduandos foram formados como mestres ou doutores desenvolvendo projetos de pesquisas voltados para a descoberta de novos candidatos a fármacos. Inúmeros egressos do LASSBio, abraçaram esta opção profissional sendo hoje docentes e pesquisadores em IES no Brasil afora e também no exterior.

Atualmente o LASSBio conta com uma quimioteca de 1946 substâncias inéditas, bioativas, que representam um enorme patrimônio intelectual. Ademais, não é por nenhuma outra razão que o LASSBio, tendo se incluído no panorama internacional e um centro de pesquisa produtivo em Química Medicinal, é a Sede do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Fármacos e Medicamentos (INCT-INOFAR), uma autêntica rede nacional de pesquisas para a inovação em fármacos.

Pelo exposto, podemos concluir, constatando que temos a devida competência científica na academia nos diversos ambientes da cadeia de inovação radical de fármacos, faltando-nos maior determinação do setor empresarial em internalizar as conquistas tecnológicas já feitas. Que não poucas! Carecemos de Químicos Medicinais propriamente ditos em termos quantitativos, para podermos vir a responder, afirmativamente, ao desafio de tornarmo-nos um autêntico player neste importante segmento do complexo industrial da saúde, haja visto que existe apenas um programa de pós-graduação congregando a Farmacologia e a Química Medicinal, disciplinas imprescindíveis à inovação em fármacos, no Brasil, o PPGFQM do ICB da UFRJ, surgido em 2006 e atualmente com conceito 5 na CAPES.
Numa leitura recente de artigo publicado em prestigiosa revista científica internacional da área, os autores indagavam como formar-se um químico medicinal? Nós no Brasil devemos sabê-lo bem, pois recentemente, pelo que soube, foi criado um curso de graduação em Química Medicinal! Pode? Sim, claro que pode...
 
Obrigado por ler.

sábado, 2 de maio de 2015

Novidades terapêuticas: suvorexant, fármaco anti-insônia


Nesta quadragésima terceira postagem volto a tratar de inovações terapêuticas recentes. Há dois meses a agência regulatória norte-americana Food & Drug Administration (FDA) aprovou para uso o novo fármaco suvorexant (BelsomraR), desenvolvido pela Merck para o controle da insônia. O composto pertence à classe dos derivados benzoxazólico funcionalizados, possuindo um anel diazepânico N-substituído com um sistema N-toluil-1,2,3-triazola. Este medicamento representa um novo recurso para tratamento de diferentes tipos de insônia, atuando sobre os neuroreceptores de orexina, peptídeo envolvido na sinalização do SNC relacionado à vigília e apetite. Estes peptídeos atuam sobre receptores de orexinas acoplados à proteína G (OX1 e OX2), descritos pela primeira vez em 1998. Seus agonistas podem ser denominados também hipocretinas, por serem produzidos em células da região do hipotálamo. São conhecidas duas formas destes peptídeos excitatórios, orexinas A e B - OX-A e OX-B, respectivamente, com ca. 50% de homologia, possuindo 33 e 28 resíduos de amino ácidos, respectivamente, que provocaram insônia quando administrados a cães, sendo que OX-B foi menos potente que OX-A.

            A identificação destes receptores e a compreensão de sua função, incentivou estudos que culminaram com a identificação do suvorexant pela Merck que, segundo especialistas, faturará US$ 300 milhões em vendas, já em 2017.

            Cabe menção o fato de que outro antagonista dual de OX1 e OX2 desenvolvido em cooperação pela GSK e Actelion, foi descontinuado no início de 2011 , após constatarem-se vários efeitos adversos.
            Obrigado por ler.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Entrevista com Prof. Dr. János Fischer (IUPAC), por Lúcia B. Torrres (Serendipity Comunicações)

Este post é uma matéria produzida na XXI Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal pela jornalista Lúcia Beatriz Torres da Serendipity Comunicações e fotos de Guilherme Flores.
Espero que curtam a entrevista feita por ela como Dr János Fischer, Diretor do Sub-Committee de Drug Discovery and Development da IUPAC quem esteve por aqui durante a XXI EVQFM.
 

Autor de renomados livros na área de Química Medicinal e  pesquisador responsável pela Gedeon Richter Chemical Co, em Budapeste, Hungria,  o Prof. Dr. Janos Fischer é diretor do Subcomitê de Descoberta e Desenvolvimento de Fármacos da Divisão de Química e Saúde Humana da IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry).

O cientista, que esteve presente, em 2005, na XI Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal (EVQFM) apresentando o primeiro ano do curso “Highlights in Medicinal Chemistry” retorna agora, após 10 anos, na coordenação do curso, que nesta 21 edição do evento foi ministrado por 6 cientistas membros da IUPAC.

 

  Foto: Guilherme Flores



Janos Fisher (IUPAC)

Na XXI Escola de Verão, o  Dr. Janos Fischer apresentou a conferência “Serendipitious Target-based Drug Discoveries”, fornecendo exemplos de importantes medicamentos descobertos “quase que por acaso”, ao longo dos últimos 50 anos.
Na entrevista  a seguir, Janos Fisher fala sobre a razão da escolha do tema para a conferencia e a importância do termo “Serendipity”  para a descoberta de novos fármacos, além de responder porquê a IUPAC escolheu a Escola de Verão (EVQFM) para ministrar o seu “short course” na América do Sul.

Entrevista Prof. Dr. Janos Fisher (IUPAC)



Por que escolheu esse tema “Serendipity” para sua conferência na XXI

 Escola de Verão?
 
Janos Fisher (IUPAC): É uma boa pergunta!Essa é a principal diferença entre a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico. Nós temos que estar preparados para o inesperado (“Serendipity”) já que toda molécula projetada é cheia de eventos inesperados que podem influenciar todo o trabalho de forma positiva. Isso é Serendipity! É um termo complicado, mas acho que muito útil para este tipo de atividade de pesquisa cientifica. Acho que é um dos pontos mais atraentes na pesquisa, pois para Serendipity acontecer,  o que naturalmente precisa de trabalho lógico e reflexão, é necessário estar com a mente preparada para um evento inesperado.
Para você, qual é a melhor definição de “Serendipity”?

Janos Fisher (IUPAC): Se eu simplificar esta é uma oportunidade de descoberta, mas Serendipity não é necessariamente apenas uma descoberta. Pode ser um evento ilógico, por exemplo, o paracetamol (acetaminofeno) é um  agente analgésico que foi descoberto por acaso quando  usaram por engano a acetanilida ,ao invés de  naftalina (naftaleno) para pesquisar atividade analgésicas. Não foi uma questão lógica, proposital, mas no final um fármaco muito útil foi descoberto. Isso é Serendipity! Os cientistas devem estar preparados. Acho que essa chance de descoberta é muito útil para o nosso trabalho. Mas, naturalmente, precisa de uma pessoa que seja capaz de reconhecer os eventos inesperados, que podem ser úteis para seu trabalho no laboratório.
 
Você tem algum exemplo de “Serendipity” ao longo de sua carreira?
 
Janos Fisher (IUPAC): Aconteceu quando eu era estudante.  Os alunos geralmente não têm dinheiro suficiente para se manter,  e foi “Serendipity” quando apareceu um professor de uma universidade recrutando pessoas para uma empresa farmacêutica.  Recebi uma bolsa de estudos de uma empresa no meu tempo de estudante. Foi bom para mim, porque eu pude sustentar a minha vida como um estudante. Foi “Serendipity” pois eu não estava esperando por isso!
 
Qual é a diferença entre a Escola de Verão (EVQFM) há 10 anos e agora?
 
Janos Fisher (IUPAC): É muito bom ver na UFRJ um novo campus, há 10 anos este edifício não existia.  Foi uma surpresa para mim e espero que os estudantes aproveitem essa novas instalações  [Bloco N/CCS/UFRJ]. Antes éramos um grupo pequeno, a turma do “Highlights” era pequena, agora a Escola de Verão cresceu, as conferencias são em um auditório grande.
 
Por que o Subcomitê de Descoberta e Desenvolvimento de Fármacos da IUPAC optou por retornar a Escola de Verão e realizar a sua reunião novamente no Rio de Janeiro ?
 
Janos Fisher (IUPAC): Foi há 10 anos o resultado do bom contato entre o Prof.  Eliezer Barreiro e Robin Ganellin, o inventor de cimetidina. Quando eles organizaram a  primeira reunião no Rio de Janeiro, gostamos muito da experiência na  Escola de Verão. Como já tínhamos contactado o Prof.  Eliezer anteriormente e a IUPAC  tem a tarefa  de colaborar para o desenvolvimento da Química Medicinal em todo o mundo,   iremos dar um curso na Índia, no próximo mês, por exemplo, decidimos retornar e ministrar esse curso da IUPAC na Escola de Verão que é de curta duração. Nós  ficamos muito felizes  de termos vindo,  foi muito agradável, com pessoas muito gentis, com certeza todos terão enorme prazer em voltar.