Pesquisar este blog

sábado, 10 de outubro de 2015

Os fármacos bromados são poucos & raros.



Esta quadragésima sétima postagem, decidi dedicar aos grupos funcionais (GF´s) mais frequentes nos fármacos. Entendendo que é possível que em suas estruturas podem haver alguns mais predominantes que outros. Vamos identificá-los e a partir desta predominância saberemos quais precisam ser aqueles mais estudados, na Química Medicinal, propriamente dita e nas disciplinas básicas como a Química Orgânica e a Síntese Orgânica, irmãs da Química Medicinal.
            Existem várias publicações dedicadas a este tema e cabe destacar, a título de ilustração apenas, o livro “Review of organic functional groups” de Thomas L. Lemke, Victoria F. Roche e S. William Zito, já em sua quinta edição, adotando a visão da Química Medicinal. Outro, de importância histórica, que precisa ser citado é “Patai´s chemistry of functional groups”, com vastíssima documentação da reatividade, métodos de síntese/preparação e transformação de GF´s, com viés para a Química Orgânica. Inúmeros papers descrevem a frequência com que determinados GF´s aparecem, predominantemente, nos fármacos, admitindo que deverão ter propriedades físico-químicas favoráveis à druggability, i.e. maior probabilidade de contribuírem para adequada biodisponibilidade, devido ao provável coeficiente de partição favorável à biodistribuição ideal, para a estabilidade química, metabólica e para a baixa toxicidade. Estes GF´s deverão ser aqueles a serem incluídos preferencialmente nas estruturas dos fármacos em desenvolvimento, de forma a reduzir o risco de “morte” prematura, que eleva significativamente, segundo as indústrias farmacêuticas, o custo das invenções ou inovações terapêuticas. Claro que o que fundamenta tudo isso é saber que mais de 85% dos fármacos em uso no arsenal farmacêutico contemporâneo, são moléculas orgânicas sintéticas.


Para fazer curta e objetiva, uma história longa e complexa, menciono que mais do que 90% dos fármacos sintéticos são cíclicos (exceção que pode ser citada metformina), i.e. possuem em suas estruturas químicas pelo menos um ciclo, sendo que destes, em sua esmagadora maioria são policíclicos e aromáticos, geralmente multisubstituídos e em sua maioria heterocíclicos. Assim sendo, a química de heterocíclicos é imprescindível ao ensino de profissionais de nível superior para atuarem nesta área, tanto o estudo de suas propriedades, métodos de síntese e reatividade. Tomara que ainda seja assim nas grades curriculares dos cursos de Química e Farmácia do País, como era quando fui estudante de Farmácia (será?).

Se invertermos a abordagem feita até aqui, i.e. procurarmos identificar os GF´s que são menos abundantes nas estruturas químicas dos fármacos, estes, em contraste aos mais frequentes, poderão apresentar propriedades opostas, i.e. indesejáveis para a druggability e toxicidade da molécula. Desta feita constata-se que são bem menos numerosos os trabalhos dedicados a esta visão dos GF´s e de forma geral se associam a reatividade dos GF´s – em termos eletrofílicos ou radicalares – ao seu potencial tóxico. De fato, GF´s muito reativos, nestes termos, são encontrados entre aqueles classificados como toxicofóricos. Desta forma, os derivados da classe dos nitroazolas (e.g. benzonidazola) ou nitroaromáticos (e.g. cloranfenicol), produzindo intermediários reativos radicalares pelo metabolismo, apresentam toxicidade. Grupamentos funcionais classificados como aceptores de Michael – e.g. enomas, também apresentam potencial tóxico, embora atualmente este GF venha sendo incluído racionalmente em moléculas planejadas para atuarem como inibidores enzimáticos irreversíveis, como alguns quimioterápicos recentes. Entre os grupamentos lábeis, capazes de produzirem adutos com nucleófilos biológicos, portanto potencialmente tóxicos, encontram-se os haletos, sendo os de maior risco, aqueles mais reativos, dependendo do halogênio quanto às suas características de grupos abandonadores numa reação nucleofílica, i.e. I > Br > Cl > F. Realmente, são raros os fármacos iodados e também muito raros os bromados. Em contraste, são muito numerosos os fármacos clorados e fluorados, mas nenhum benzílico ou alélico, de maior reatividade.    

Cabe menção, que entre os fármacos utilizados na forma de sais inorgânicos, inúmeros são os exemplos de bromidratos (e.g. bromidrato de ipratropium), pois na forma de contra-íons o brometo não possui toxicidade intrínseca comparável com aos haletos reativos.

            Entre os fármacos (hetero)arilfluorados temos alguns blockbusters e muitas inovações terapêuticas marcantes, inter-alia: atorvastatina, celecoxibe, ciprofloxacina, decernotinibe, escitalopram, ezetimibe, fluticasona, fluconazola, fluoxetina, fluvastatina, gefitinibe, idelalisibe, lansoprazola, levofloxacina, maraviroque, paroxetina, pantoprazola, risperidona, roflumilaste, rosuvastatina, sitagliptina, sulindaco, travoprost. Dentre estes exemplos, vários possuem o GF trifluormetila (-CF3) em suas estruturas. Entre aqueles (hetero)aril ou alquilclorados encontramos alprazolam, amlodipina, atovaquona, beclometazona, ciclofosfamida, clonazepam, clopidogrel, clordiazepóxido, cloroquina, clorpromazina, clortetraciclína, clozapina, diazepam, diclofenaco, indometacina, losartana, montelucaste, sertralina, entre outros.
Entre os poucos derivados arilbromados que são empregados como fármacos encontramos, de origem natural a nicergolina, um agente adrenérgico com indicações para o controle da enxaqueca; de origem sintética, o brotizolam, derivado com propriedades sedativas; vandetanibe, recentemente aprovado pela agência regulatória norte-americana (FDA; 2011) para tratamento de câncer da tireoide e como exemplo de antisséptico, de importância histórica, o mercúrio-cromo (Figura).
 


Ao finalizar é bom relembrar que não é a mera presença de GF´s “do bem” na estrutura química, que fará com que a molécula do fármaco seja “do bem”, i.e. não seja tóxica. Não devem os Químicas Medicinais propriamente ditos, esquecerem que estes aspectos dependem da dose empregada e que as propriedades terapêuticas de uma determinada substância resultam da estrutura química como um todo e não apenas de parte dela!

        Obrigado por lerem!

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A Química Medicinal propriamente dita


             Nesta nossa quadragésima sexta postagem vou tratar de algo que me tem provocado intensa reflexão, recentemente. Refiro-me à qual deve ser a missão primordial da Química Medicinal, propriamente dita! Talvez redundância se faça necessário para reforçar o sentido do que pretendo dizer.

             Existem inúmeras definições na web e em diversas fontes bibliográficas credibilíssimas que atestam a primordial missão da Química Medicinal. Não vou entrar em juízos comparativos, para não chover no molhado, mas o que de fato interessa nesta disciplina interdisciplinar é a invenção de novos fármacos.  Tarefa árdua, sem dúvida, repleta de riscos de insucesso, imensamente superiores às diminutas perspectivas de êxito, em termos pessoais, mas que objetiva contribuir para com o arsenal terapêutico contemporâneo com novos fármacos eficazes e seguros para o tratamento e cura dos males que nos afligem. Não menciono, para não ampliar nem sombrear demais o foco principal, os elevados custos associados a esta atividade de inovação tecnológica, eminentemente baseada em Ciência. Poderia ainda citar alguns gargalos tecnológicos que teimam em existir no Brasil, neste importante setor industrial farmacêutico, mas isso per-se já seria tema para outra postagem. Quem tiver interesse pode consultar estes dois artigos recentes que publicamos: Barreiro, E. J.; Pinto, A. C.; Oportunidades e Desafios para a Inovação em Fármacos: Agora ou Nunca !, Rev. Virtual Quim. 2013, 5 (6), 1059-1074 (http://www.uff.br/rvq); Pinto, A. C.; Barreiro, E. J.; Desafios da Indústria Farmacêutica Brasileira, Quim. Nova 2013, 36 (10), 1557-1560 (Química Nova).
 


 
 
             Assim sendo, resto-me ao ponto principal: sem Química Medicinal não é possível inventarem-se fármacos! Melhor: os novos fármacos passam, indelebilissimamente (i.e. mais do que obrigatoriamente), pela Química Medicinal. Aquela propriamente dita! Aquela que tem Química! Aquela que compreende o destino do fármaco, enquanto princípio ativo (PA) do medicamento na biofase. Aquela que antecipa as razões moleculares dos efeitos terapêuticos desejados, dose-dependentes, ao mesmo tempo que entende as distintas contribuições moleculares de todos os fragmentos presentes na molécula do PA. Aquela que racionaliza, antecipadamente, os riscos moleculares associados a presença no PA de subunidades estruturais com propriedades químicas favoráveis à farmacocinética adequada e desprovidas, se possível, de toxicidade. Aquela que a partir daí pode intervir modificando racionalmente a estrutura química para otimizá-la, quanto a sua druggability. Estas “aquelas” é a Química Medicinal, propriamente dita!
            Não foi por nenhuma outra razão, além da defesa destes fundamentos, que quando consultado, recentemente, pela Divisão de Química Medicinal da American Chemical Society, em enquete feita com todos os seus membros ativos, sobre a troca de nome da Divisão, opinei pela manutenção de Química Medicinal!
 
            Não me entendam mal! Não esqueci que a invenção de novos fármacos não é uma tarefa individual possível. Precisa-se de uma equipe multidisciplinar de profissionais com habilidades científicas complementares, harmonicamente organizados, articulados, sintonizados e imbuídos de objetivo comum: o novo fármaco! Entre estes profissionais, o Químico Medicinal é indispensável!
            Almeja o nosso País ser um player na inovação em fármacos, segundo afirma(va)m especialistas na formulação das políticas públicas para Saúde. Para entrar neste seleto clube dos inventores de fármacos, precisamos, antes, inventá-los. O que não se pode fazer por medida provisória, nem decreto! Portanto não podemos prescindir de Químicos Medicinais! Aqueles propriamente ditos, com perfil de todas “aquelas” que mencionei arriba!

               Mãos à obra, o tempo urge: formemo-los! Para tanto precisamos preservar os conceitos da Química Medicinal, propriamente dita, empregá-los adequadamente, resistir aos modismos terminológicos criados exteriormente e que de fato nada acrescentam.
 
              Obrigado por lerem.